A h, André Ventura, o paladino da moral pública, o justiceiro dos “parasitas do Estado”, o filósofo do café com croquete subsidiado. Eis o homem que ergue a voz contra quem vive à custa do Estado… enquanto o próprio Estado lhe paga cada respiração indignada. O deputado que condena os “subsidiodependentes” enquanto esfrega o seu cartão dourado no supermercado pago por todos nós. Ironia? Não. É apenas a versão contemporânea do “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”, com direito a motorista, assessores e uma conta de representação que faria corar um banqueiro suíço.
Perguntemo-nos: o que é, afinal, a justiça? Será virtude viver do Estado enquanto se aponta o dedo a quem vive do Estado? Ou será esta uma nova forma de ascetismo moderno, onde o sacrifício consiste em aceitar o salário público com desgosto filosófico? Ventura não é um simples político, é uma experiência sociológica ambulante, um paradoxo vestido de gravata, uma contradição com subsídio de deslocação.
Há quem diga que o Estado é pesado. Mas Ventura é a prova viva de que, para alguns, o Estado é um colchão ortopédico de luxo. Recebe ordenado, viagens, ajudas de custo, segurança, carro e, provavelmente, o privilégio de não ter de pensar muito antes de criticar quem tem menos. No fundo, o Estado é o seu mecenas, o seu patrocinador, o seu sugar daddy institucional.
E, no entanto, eis o milagre retórico: transformar o discurso contra o Estado num negócio pago pelo Estado. É poesia fiscal, é metafísica da hipocrisia. Se Aristóteles falava da virtude como o equilíbrio entre os extremos, Ventura inventou uma nova categoria moral, a virtude do duplo critério. Defende o povo enquanto o povo lhe paga o jantar. Ataca o sistema enquanto o sistema lhe paga o gin tónico. É um génio performativo: representa o anti-sistema dentro do sistema, com direito a subsídio de refeição.
Mas imaginemos, por um instante, o André Ventura sem o Estado: sem salário, sem carro, sem viagens. O que restaria? Talvez um filósofo à procura de um novo mecenas, talvez um poeta perdido num call center, talvez apenas um homem com saudades do erário público. A sua verdadeira tragédia seria a mesma de Ícaro: voou demasiado perto do sol do Estado e agora não sabe voar sem ele.
E contudo, continua a falar do “povo”, como se fosse um Sócrates de ginásio, interrogando as almas simples sobre a moral enquanto o relógio lhe marca a hora paga pelo contribuinte. Fala do estrangeiro como quem nunca saiu da freguesia mental onde nasceu. Fala de História como quem estudou num curso rápido de Facebook. Fala de justiça como quem confunde a virtude com a vingança.
Há, portanto, uma certa harmonia cósmica nisto tudo, um equilíbrio pythagórico entre a palavra e o bolso. Ventura é o triângulo perfeito entre o discurso moral, o subsídio estatal e o teatro político. E nós, contribuintes, somos a plateia cativa deste espetáculo tragicómico financiado com o nosso próprio dinheiro.
