Uma Crónica de Ponta Delgada (Madeira) 2025
O palco da vida paroquial, sobretudo em comunidades mais coesas como as de Ponta Delgada, na Madeira, é frequentemente o epicentro de dramas humanos que se desdobram entre o sacro e o profano. Neste contexto, assistimos, não raras vezes, a um fenómeno social e moralmente destrutivo: a proliferação da maledicência e da calúnia contra figuras de autoridade, em particular, o Pároco. A atual frustração manifestada por certas cidadãs desta freguesia contra o Senhor Padre Duarte Gomes exige uma análise não apenas sobre a conduta criticada, mas sobretudo sobre a conduta da crítica.
A essência do problema reside na atitude de indivíduos que, assumindo uma postura de santarronas ou, para usar uma expressão mais formal, de hipócritas morais, se sentem no direito de proferir difamações e total desrespeito contra o seu guia espiritual. É inegável a dissonância cognitiva: como podem certas pessoas, cujas vidas alegadamente não se cruzam com a da Igreja ou a do Pároco – «nem vão à igreja, nem precisam do Pároco para nada nas suas vidas» –, investir tanto tempo e energia na destruição da sua reputação?
A resposta, porventura, reside numa dolorosa falta de ocupação e de propósito construtivo. O ócio, segundo a sabedoria clássica, é amiúde o berço da intriga. É uma inversão perversa da ordem doméstica e comunitária: o foco desvia-se das responsabilidades primárias – a arrumação da casa, a preparação das refeições, a educação da prole, o «loiça para lavar, roupa para lavar e engomar» – para a «vidinha alheia dos outros». A crítica, neste cenário, torna-se um hobby substituto, uma fuga à banalidade das suas próprias existências.
O Pároco, Senhor Padre Duarte Gomes, surge aqui como um bode expiatório para frustrações não resolvidas e para a necessidade compulsiva de julgar. A sugestão, tanto ácida quanto irónica, de que se deviam ter envidado esforços para que os seus próprios filhos seguissem a vida sacerdotal, para que fossem alvo de idêntica crítica noutras paróquias, sublinha a hipocrisia intrínseca deste comportamento.
O ponto fulcral de toda esta contenda reside na invasão da vida particular do sacerdote. Qual é, afinal, a justificação para se «embaraçarem com a vida particular do Pároco local»? A vida privada de qualquer indivíduo, desde que não interfira no cumprimento das suas obrigações públicas ou espirituais, não é matéria para escrutínio público, muito menos para maledicência. A quem se dirige a crítica, o Senhor Padre Duarte Gomes, é descrito, por quem efetivamente dele precisa e é atendido, como «uma pessoa de bem, muito bem educada, respeitadora, extremamente compreensível e acessível». Esta dissonância entre a experiência direta e a calúnia é reveladora.
O que se exige a estas «santarronas» é uma introspeção profunda e um regresso aos princípios morais que alegadamente defendem. A sugestão, metafórica e mordaz, de que deveriam procurar o exorcismo com água-benta na Igreja, em vez de se ocuparem com «bruxos a fazerem bruxedo» com o intento de prejudicar terceiros, ilustra a degradação moral a que se entregam. A sua atitude não é de fervor, mas de malevolência dissimulada. «Quem é que se julgam ser essa gentalha? Ninguém é mais que ninguém!»
A sabedoria, neste aspeto, não é nova, mas foi revalidada pela mais alta autoridade da Igreja. O Papa Francisco, com a sua perspicácia inigualável, elevou a fofoca ao estatuto de um mal sistémico. Recordando o Angelus em que abordou a questão, o Santo Padre afirmou: «A fofoca é uma peste pior que a Covid, pior». Ele exortou, com a veemência de um pastor: «por favor, irmãos e irmãs, façamos um esforço para não fofocar».
O ensinamento evangélico sobre a correção fraterna, que convida à reflexão sobre as dimensões comunitária e pessoal da existência cristã, é aqui pervertido. O Papa Francisco é claro: a fofoca «fecha o coração à comunidade, impedem a unidade da Igreja». Identifica o grande motor da desunião como sendo o diabo, «o mentiroso que tenta desunir a Igreja, afastar os irmãos e não fazer comunidade». Ao vermos um defeito num irmão, a primeira coisa a fazer é, invariavelmente, «contar aos outros, fofocar» – um instinto que urge ser reprimido pela caridade e pelo decoro.
Por fim, a mais perspicaz das máximas do Papa Francisco sobre o julgamento: «a única situação em que é lícito olhar alguém de cima para baixo é quando se quer ajudá-la a levantar-se». Esta frase, proferida em contextos de relevância espiritual como as Jornadas Mundiais da Juventude, é um libelo contra a arrogância e a presunção do julgamento.
O que estas figuras de Ponta Delgada necessitam, mais do que qualquer outra coisa, é de regressar à missa e de abandonar o papel destrutivo de «bruxas do bairro». A verdadeira piedade reside na caridade, na ocupação virtuosa e no respeito pela dignidade alheia, não na calúnia e na busca incessante pela desonra do próximo. É um apelo à razão, ao bom senso e à decência que transcende a paróquia e se estende a toda a comunidade.