A prevaricação é o retrato mais fiel da podridão instalada em muitos setores da administração pública da Madeira. É o crime cometido por quem tem o dever de servir, mas escolhe servir-se. É o acto de travar, atrasar ou distorcer decisões e processos, não por falta de meios, mas por conveniência pessoal, e é isso que vem acontecendo, de forma alarmante, em várias instituições da Madeira.
No SESARAM, o atraso injustificado em pareceres, nomeações ou decisões clínicas não é apenas desorganização — é prevaricação. É o uso do cargo para proteger interesses, favorecer conhecidos e castigar desafetos. Quando um funcionário público manipula prazos, ignora pedidos ou “esquece” documentos, está a praticar um crime. Mas o sistema protege-o, o silêncio cobre-o, e o cidadão paga o preço.
Nos assuntos académicos da Universidade da Madeira, o mesmo enredo repete-se. Processos que deviam ser automáticos tornam-se labirintos de burocracia seletiva. Um dossiê avança se o nome agrada, estagna se incomoda. É o uso da função pública como instrumento de poder, e não de serviço. É o compadrio travestido de formalidade.
No Gabinete de Qualidade da mesma Universidade, é gritante: onde devia haver transparência e rigor, há manobras, retórica e relatórios feitos para disfarçar falhas. O “controlo de qualidade” transforma-se em fachada para proteger quem devia ser questionado.
E não é só ali. Há departamentos, gabinetes, comissões e conselhos onde a prevaricação é prática corrente. Onde o “não posso agora” e o “vamos ver mais tarde” escondem uma escolha deliberada de travar decisões. Onde decisões são moldadas a partir de agendas pessoais, políticas, familiares ou simplesmente vaidosas.
O que choca não é apenas a existência destes atos, mas a sua normalização. Já ninguém estranha. Já ninguém denuncia. O medo, a dependência e o cansaço transformaram a ilegalidade em rotina.
Mas é preciso dizer, alto e claro: prevaricar é crime. Está no Código Penal. E cada funcionário que o faz, cada dirigente que o permite e cada cidadão que se cala tornam-se cúmplices do mesmo sistema que despreza o mérito e bloqueia a justiça.
E a prevaricação — esse crime aparentemente técnico — é o sintoma mais visível daquilo que a sociedade já sente todos os dias: a impunidade disfarçada de normalidade.
Em muitos departamentos, secretarias e conselhos, a prevaricação é parte do mecanismo de funcionamento:
- processos guardados em gavetas para “esperar o momento certo”;
- pareceres alterados após pressões;
- relatórios assinados sem leitura;
- decisões tomadas em reuniões informais, fora de ata.
Tudo isto acontece porque a impunidade é a regra. Porque quem tenta denunciar é silenciado, isolado ou rotulado de “problemático”. E porque, na prática, o crime de prevaricação raramente chega aos tribunais — não por falta de provas, mas por falta de coragem institucional.
É preciso dizer com clareza:
Retardar um processo intencionalmente é crime. Favorecer alguém em detrimento de outro é crime. Distorcer um ato administrativo é crime. Não é “normal”, não é “jeitinho”, não é “modo de funcionamento da casa”. É prevaricação — e destrói a credibilidade de todo o serviço público.
Autonomia sem fiscalização é terreno fértil para a arbitrariedade.
E enquanto a prevaricação continuar a ser tratada como mera “falha administrativa”, continuará a corroer silenciosamente as instituições que dizem servir o cidadão. A sociedade não precisa de novos regulamentos, precisa de responsabilidade real. Porque só quando o medo mudar de lado, quando os prevaricadores temerem ser expostos, é que o serviço público voltará a merecer esse nome.
E cada vez que alguém cala, um prevaricador ganha força.