Carros usados na Madeira: um esquema que empobrece.


C omprar um carro usado na Madeira tornou-se um exercício de risco económico. Por “carro usado”, entenda-se aqui um veículo vendido como funcional e seguro, mas que, na prática, colapsa ao fim de um ou dois anos. O padrão repete-se: venda inflacionada, falhas ocultas, reparações em cadeia e inspeções sucessivas com novos “defeitos” a cada visita. Isto não é azar individual. É um sistema.

Parto de um facto simples e verificável, quem compra veículos de mil a dois mil euros fá-lo porque não tem alternativa. Não é um capricho; é sobrevivência. O problema surge quando essa necessidade é explorada por práticas opacas que transformam carros em sucata com matrícula e preços artificiais. Em mercados europeus comparáveis, veículos equivalentes valem 200 a 500 euros. Aqui, custam quatro vezes mais, sem qualidade correspondente.

A lógica é clara. Primeiro, a venda promete o mínimo necessário para fechar negócio. Depois, surgem avarias previsíveis, mas não declaradas. Seguem-se oficinas onde um problema resolvido “revela” outro, num ciclo que drena salários. Por fim, centros de inspeção que reprovam repetidamente por falhas nunca antes identificadas. O resultado é uma transferência constante de rendimento dos mais pobres para uma cadeia de interesses que prospera na desinformação.

Este padrão viola princípios básicos de transparência, proporcionalidade e boa-fé comercial. Em democracias funcionais, o mercado existe para servir cidadãos, não para os esmagar. Quando a fiscalização falha, a desigualdade aumenta. Quando a regulação é fraca, a confiança desaparece. E sem confiança, não há estabilidade económica nem justiça social.

Exige-se ação efetiva da autoridade competente, inspeções reais, critérios claros, sanções exemplares. Exige-se que oficinas e vendedores assumam responsabilidade técnica e legal. Exige-se que centros de inspeção operem com rigor consistente, não com arbitrariedade lucrativa. Paga-se seguro. Paga-se imposto. Exigem-se estradas seguras e regras justas para todos, não privilégios para alguns.

Ser pobre não retira direitos. Comprar barato não autoriza o engano. Queremos carros que durem, informação verdadeira e fiscalização séria. Queremos respeito. Isto não é um desabafo. É um apelo cívico. E estas práticas têm de acabar.