H á um paradoxo político na Madeira que exige ser dito sem filtros, mas com rigor. Refiro-me a uma parte da comunidade vinda da Venezuela, emigrantes madeirenses de regresso e imigrantes venezuelanos, que fugiu de um regime marcado por corrupção sistémica, culto do líder, autoritarismo e erosão das liberdades, e que, ao chegar a uma região autónoma europeia, opta por apoiar projectos políticos que reproduzem traços perigosamente semelhantes.
Por “democracia”, entenda-se aqui algo simples e operacional, alternância real de poder, separação de poderes, respeito pela lei, protecção dos mais vulneráveis e governação para o interesse público, não para castas económicas. Tudo o resto é simulacro institucional. E é precisamente esse simulacro que se normalizou na Madeira.
O apoio reiterado ao PPD-PSD regional, com um historial prolongado de clientelismo, promiscuidade entre poder político e grandes interesses económicos, concentração de poder e desprezo estrutural por quem trabalha e por quem é pobre, não pode ser explicado por ignorância inocente. Trata-se de um comportamento político contraditório com a experiência traumática que levou muitos a sair da Venezuela. Quem foge de um regime fechado e personalista deveria reconhecer os sinais quando eles reaparecem sob outra bandeira.
Mais inquietante ainda é a adesão a forças de extrema-direita, abertamente xenófobas e autoritárias. A ciência política é clara: estes movimentos constroem apoio através do medo e, quando chegam ao poder, voltam-se contra os próprios grupos migrantes que os ajudaram a subir. A história europeia está cheia de exemplos. A ideia de que alguém será “excepção” é uma ilusão recorrente, e fatal.
O comportamento eleitoral não nasce no vazio. É moldado por desinformação, redes clientelares, dependência económica e uma cultura política que recompensa a obediência e penaliza a crítica. Mas compreender não é desculpar. Democracia exige responsabilidade cívica. Votar em projectos autoritários enquanto se invoca a fuga à ditadura é uma incoerência que fragiliza a própria comunidade e degrada o espaço público.
Este texto não é um ataque identitário. É um apelo político. Quem vive e trabalha na Madeira, independentemente da origem, tem o dever mínimo de defender instituições que garantam igualdade perante a lei, justiça social e futuro colectivo. Partidos que usam pessoas como números eleitorais descartáveis não oferecem dignidade, apenas utilidade temporária.
A democracia não é um slogan nem um hábito automático. É uma escolha diária, informada e exigente. E começa por reconhecer que não se foge da tirania para, em liberdade, a legitimar outra vez.
