Máquina de chumbar


H á quem diga que o monopólio da inspeção automóvel na Madeira não é um serviço público, mas uma espécie de cobra metálica que engole euros sempre que um cidadão se atreve a aproximar-se. E, para muitos condutores, esta sensação já deixou de ser metáfora: tornou-se rotina amarga. Não é preciso ser perito em mecânica para reparar no padrão. Entra-se na linha, paga-se, espera-se… e, como por feitiço repetitivo, surge sempre um novo “motivo técnico” para chumbar a mesma viatura que, na inspecção anterior, teria passado por todos os testes sem referência à alegada falha actual.

É aqui que começa o protesto, e que cresce a desconfiança. Muitos cidadãos, indignados, relatam que se sentem alvo de um ciclo viciado: cada chumbo custa mais 37,00€; cada reparação alimenta oficinas ansiosas por faturar; e cada nova visita parece funcionar como uma raspadinha inevitavelmente perdedora. Quando um veículo soma cinco inspeções chumbadas consecutivas pelo mesmo tipo de pretexto, não é de admirar que o público se questione se o problema está no carro ou no sistema.

A comparação com a Venezuela pode ser exagerada, mas a irritação não. Quando um serviço que deveria ser técnico, transparente e previsível começa a ser percebido como um cash-in institucional, nasce a sensação de que algo se desviou do seu propósito inicial. É uma percepção popular, legítima enquanto sentimento, mas que merece ser levada a sério, porque reflecte um desgaste crescente da confiança pública.

O cidadão comum não exige milagres. Exige apenas coerência. Se uma avaria é grave, deveria ter sido detectada na primeira inspecção. Se não era relevante antes, porque o é agora? Se o objectivo é a segurança rodoviária, porque é que tantos condutores sentem que estão a financiar um ritual de “chumba-e-cobra” em vez de um processo técnico rigoroso e igual para todos?

A Madeira merece melhor. Merece um sistema que não se esconda atrás de desculpas elásticas, nem de decisões que parecem mudar ao sabor do vento, ou da carteira do cliente. Este protesto anónimo não procura atacar pessoas, mas expor uma percepção colectiva: quando a confiança se quebra, o ruído aumenta, a indignação cresce e a legitimidade evapora-se.

Talvez esteja na altura de abrir as janelas, deixar entrar luz, auditar processos e lembrar que a inspeção automóvel não é uma lotaria, é um serviço público, pago por quem trabalha e que exige, no mínimo, respeito e transparência.