CM: porque publicamos o vídeo no nosso Facebook e porque é público, reproduzimos:
P ara esclarecer algumas pessoas, do porquê que fiz afirmações tão sérias sobre a falta de atuação na crise das adições na RAM. Estes esclarecimentos devem-se a algumas reações ao programa Interesse Público da RTP Madeira de 12-4-2023 (link).
1º erro – “E então foi Diretor do Serviço e não Resolveu????”
2º erro – “Quando era ele que mandava no serviço de psiquiatria do sesaram, estava tudo bem. Agora, que ele não está, as coisas não estão boas.”
3º erro – dizer que “Madeira está abaixo da média nacional nos comportamentos aditivos” quando o problema não é o número total de adições, ou a percentagem relativa, mas o estrago que as “novas” substâncias estão a causar. É de tal forma um problema que em Dezembro de 2022 foi criado um Grupo de Trabalho pela Secretaria da Saúde e Proteção Civil com outros membros para se dedicar a este problema.
Desde 2012 que o assunto da mefedrona (bloom) me preocupa e juntamente com uma colega fizemos uma publicação científica sobre o assunto.
Quando cheguei à Madeira em 2018 e me deparei com a situação deplorável em termos clínicos da situação, convenci os meus colegas Dr Licínio Santos e Dra Carla Spínola a fazermos um trabalho sobre a situação e em 2019 fizemos 3 publicações sobre o assunto. Podem encontrar nas fotografias as principais conclusões. Tratam-se de trabalhos baseados na análise dos internamentos compulsivos (quando as pessoas são forçadas a ficar internadas por motivo da sua doença) de 2017 e 2018. Para além do número assustador de internamentos compulsivos, mais de 30% foram de casos em que estava registado serem psicoses induzidas por drogas, outros 20% são terra de ninguém e que provavelmente um bom número também inclui substâncias. Dos internamentos provocados por substâncias, pelo menos 50% foram por mefedrona e destes, 84% foram associados a atos de violência. Estes números de 2017 e 2018 mostram não só a supremacia da mefedrona a causar internamentos psiquiátricos, mas também a violência associada.
Em 2021, fui diretor do serviço de psiquiatria por 6 meses e voltei a dar prioridade a esta questão, para além de aumentar os recursos humanos dedicados às adições. Pela primeira vez na RAM foram apresentados publicamente os resultados objetivos da Saúde Mental. Nesta, salientei por diversas vezes o problema das adições, sobretudo da mefedrona. O claro aumento dos gráficos de internamento em que a mefedrona tornou-se a principal substância em tratamento, mostram como o problema cresceu. Se as consultas também aumentaram de número e os profissionais a realizarem-nas eram os mesmos, foi também por agravamento da necessidade da população. Para além deste momento com a presença de vários representantes de estruturas públicas e privadas da região, facilitei ainda várias entrevistas, entre elas ao Expresso, para chamar a atenção que precisamos de dedicar-nos a este problema.
Depois deste período, mantive a esperança e com o apoio da comunicação social continuei a falar deste tema. Juntamente com outros intervenientes num programa da RTP Madeira, abordou-se a violência associada a estas substâncias e a conclusão nos dias seguintes foi o anúncio da criação de um grupo de trabalho para lidar com este problema: (link)
E como tantas outras pessoas, sim, tenho medo do que me pode acontecer. Mas o meu medo até agora tem sido maior pelo rumo que a Madeira leva em relação a este problema e de como, no geral, não acontecem as mudanças necessárias.
Assim, considero que como cidadão e profissional de saúde, fiz o que estava ao meu alcance para chamar a atenção para este problema, dei a minha contribuição sempre que me foi pedida, mesmo arriscando a insatisfação de colegas e outros profissionais de saúde, bem como o despedimento. Que o tratamento está a falhar, é fácil de perceber porque há imensas pessoas a consumir. Que a prevenção está a falhar, é fácil de perceber porque há imensas pessoas a precisar de tratamento. Que o problema é sobretudo da região e não do continente, também é verdade, porque no continente não existem estes problemas com a mefedrona. No hospital onde trabalhei e que o serviço de urgência até há pouco tempo dava resposta a meio milhão de pessoas da região de Lisboa, entre 2012 e 2017 vi 2 casos e os outros colegas viram números idênticos. Desde o encerramento das “smartshops” que o assunto praticamente desapareceu. De 2018 a 2022, sempre que falei com os colegas que continuam a trabalhar por lá, todos continuaram sempre incrédulos ao que se passava por cá.
E tanto mais havia a dizer. Mas chega uma altura que é preciso que outras pessoas também se arrisquem a transmitir a dura realidade de quem vê diariamente as consequências deste flagelo e outras a tomarem ações para aumentar os recursos humanos e financeiros para nos dedicarmos a este problema. Posso ser acusado de muita coisa, mas não aceito a acusação de fingir que estava tudo bem.
Aos que criticam desconhecendo os factos, não façam isso. Todos temos direito a opinião, mas não espalhemos aquilo que dizemos em casa descontraidamente, com o que são opiniões técnicas. Vamos evitar trazer mais desinformação, para além daquela que já existe.
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