Madeira 2099


O mercúrio dos termómetros indicavam os 68.9ºC, obrigando as poucas lagartixas e os pequenos insetos a se resguardar na pouca sombra nas pedras das ruinas. No meio do silêncio ensurdecedor ouvia-se o vento seco, que soprava forte de sudoeste, espalhando a areia do deserto no que antes fora a Rua 31 de Janeiro. Estamos no ano 2099 DC, o mar tinha subido 70 metros deixando ver apenas a ponta enferrujada da Rosa-dos-Ventos da imponente torre da igreja da Sé.

Em 2099, os 5781 humanos que restavam na Ilha viviam em torres subterrâneas de 30 andares contruídas pela TecnoAfa, a única empresa sobrevivente do cataclismo económico de 2052 onde sucumbiu a SociPladur. A TecnoAfa empregava 99.9% da população, que era paga em Bitcoins, mas depois do Crash financeiro de 2052, o Bitcoin desvalorizou-se cem mil porcento e o Governo Regional, para evitar a revolta social dos poucos sobreviventes, decretou que a população passaria a ser paga em comida e água. Os mais bem pagos tinham direito a carne de rato fumada, enquanto os menos afortunados ficavam-se pelas sopas de escaravelho e 200ml diários de água das dessalinizadoras da ARM.

Francisco Albuquerque, casado com Mariana Calado e neto de Miguel Albuquerque, era o Presidente vitalício de um Governo que governava a Ilha do interior de um Bunker de luxo, um T4 com quatro WC em mármore, uma televisão de 65”, ar condicionado e uma vista excelente para uma parede de magma a 1500 metros de profundidade. 

Em 2099, a população estava entregue à sua sorte! As eleições tinham sido suspensas em 2035, a Imprensa e a Internet tinham sido encerradas por Decreto Regional e substituídas por um nano chip inserido no cérebro dos habitantes que recebiam assim diretamente no seu consciente as notícias virtuais do CIRO. O CIRO- Centro de Informação Ricardo Oliveira, criado em 2090, em homenagem a um ilustre jornalista defensor da liberdade de imprensa, sendo gerido por um Sistema de Inteligência Artificial que divulgava imagens da população em praias paradisíacas, festas e luxuosas viagens em cruzeiros da LMS Space Line. 

No meio de tamanha felicidade, a PEP - Polícia de Educação Persuasiva - uma policia política criada pelo Governo Regional - patrulhava, com drones de levitação magnética, as ruinas do que antes fora a urbanização do DUBAI, com ordem para exterminar qualquer indigente ou opositor que surgisse do meio das ruinas. 

E foi no meio do silêncio macabro que se ouviu a voz rouca do último ardina ainda vivo “…é o Correio da Madeira!”, “Leia as últimas no Correio da Madeira...” ... sem nanochip, mas a viva voz comentando a atualidade regional.

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