E m certos momentos da história, assistimos ao colapso da decência como se estivéssemos diante de uma tragédia grega de segunda categoria. O episódio mais recente proporcionado por (Merd)oni de Melo, um ex-servente de pedreiro brasileiro, que há mais de duas décadas se instalou na nossa Ilha da Madeira, não se distingue do caminho de autodestruição moral trilhado por personagens como Édipo ou Agamenon. No entanto, enquanto a tragédia clássica oferece uma profunda catarse e reflexão sobre a condição humana, o “show” de (Merd)oni transforma-se num espetáculo obsceno, que em nada enobrece quem o assiste.
A metáfora do "Gaguinho" nos arraiais regionais resume na perfeição a sua triste ascensão social. Ao invés de enraizar-se na cultura que o acolheu, Roni parece ter encontrado prazer em subverter os valores tradicionais. Durante uma recente actuação num arraial, o artista decidiu inovar — não com uma exaltação da nossa identidade, mas com um gesto ignóbil: chamou ao palco um casal para improvisar uma coreografia degradante, incitando-os a práticas de baixo nível, diante de uma audiência que incluía crianças e idosos. A tragicidade desse momento reside precisamente na forma como o ordinário se impôs ao sublime, sem filtro, sem pudor, e, o mais inquietante de tudo, sem resistência.
O que testemunhámos nesse arraial — um evento que, em teoria, deveria exaltar o espírito comunitário - assemelha-se mais a um teatro de horrores do que a uma celebração cultural. Nem a mais decadente casa de bordel numa favela do Rio Grande do Sul se prestaria a tamanha promiscuidade pública. Ainda assim, eis que, sob o disfarce do “entertainer popular”, tal ato encontra não só plateia, mas também aplausos. E aqui reside a ironia: aplaudimos a nossa própria decadência, enquanto deixamos morrer a verdadeira cultura enraizada no profissionalismo e na seriedade dos artistas regionais.
É de obumbrar que Casas do Povo, Juntas de Freguesia e Comissões de Festas ainda concedam palcos a este tipo de espetáculo, pagando-lhe cachets elevados, como se investir na banalidade fosse a chave para a preservação das tradições. A cada euro desperdiçado em tais apresentações, perde-se uma oportunidade de valorizar os nossos artistas regionais, que, com trabalho sério e profundo respeito pelo público, são sistematicamente afastados para abrir espaço a estes entertainers de quinta categoria.
O maior pecado aqui não é só do artista que orgulhosamente apresenta o seu repertório brega como uma dádiva cultural, mas sim de quem o contrata e, pior ainda, de quem o aplaude depois de tamanha indecência. O filósofo grego Aristóteles argumentava que a tragédia visava purificar as emoções através da catarse. Contudo, o que presenciámos naquele arraial não purifica, mas corrompe. É a vitória do vulgar sobre o valioso, do efémero sobre o atemporal.
Assim, resta-nos perguntar: até quando suportaremos o triunfo do grotesco sobre a cultura? E até quando fingiremos que o riso fácil e aplaudido é uma forma aceitável de entretenimento, enquanto abandonamos aqueles que honram as raízes da nossa terra? Tal como na tragédia grega, este ciclo de decadência apenas encontrará resolução quando a comunidade, consciente do seu erro, decidir recuperar o que há de mais digno e autêntico nas suas tradições. Até lá, resta-nos assistir, como espectadores impotentes, ao contínuo espetáculo de degradação a que, por inação e indiferença, ousamos chamar “cultura”.
O mais assustador, esta "gentxi", também tem direito de VOTO!
Enviado por Denúncia Anónima
Quarta-feira, 16 de Outubro de 2024
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