Quando o governo cai, mas a dignidade já foi primeiro.


I magino o constrangimento na sala: de um lado, os que ainda não foram apanhados na rede, lançando olhares nervosos, tentando parecer confiantes; do outro, os já arguidos, provavelmente ensaiando expressões de dignidade ofendida. O cumprimento ao representante da República deve ter sido quase teatral. Talvez algo assim:

— 'Senhor representante, aqui estamos em nome da estabilidade e da confiança!'

E o representante, tentando conter o riso:

— 'Claro, claro... confiança é a palavra certa, sobretudo com seis arguidos entre nós.'

Enquanto isso, os não arguidos provavelmente pensavam: 'É só uma questão de tempo...' e os arguidos, por sua vez, torcendo para que ninguém tivesse lembrado de trazer gravadores para a ocasião."

No meio daquele salão carregado de tensão, os não arguidos tentavam salvar o dia. O secretário da Educação, que foi empurrado para dizer algo, começou a falar – ou pelo menos tentou.

— "Ahem… É um… É um prazer estarmos… quer dizer… nem todos… enfim… aqui hoje…"

— "Ele tá na Educação ou no curso intensivo de aprender a falar?"

A secretária da Agricultura, por sua vez, decidiu tomar a palavra para aliviar o embaraço, mas só conseguiu piorar as coisas.

— "Como eu sempre digo, um país cresce quando planta... ou pesca… ou planta pescando, certo?"

— "Ela percebe tanto de agricultura quanto eu de honestidade."

O representante da República, mantendo um ar de solenidade, interveio rapidamente antes que a coisa descambasse de vez.

— "Obrigado pelas vossas palavras... profundas. Tenho a certeza de que a sociedade civil dormirá mais tranquila esta noite."

Um dos não arguidos comentou baixinho:

— "Isto está feio, mas pelo menos não sou arguido."

Ao que um arguido respondeu:

— "Por enquanto."

No meio daquele teatro de embaraços, enquanto o secretário da Educação tropeçava nas palavras e a secretária da Agricultura tentava convencer-se de que "pescas" eram um tipo de cereal, o representante da República observava tudo com uma expressão enigmática. Enigmática porque, na verdade, ninguém tinha a certeza se ele estava profundamente pensativo ou apenas completamente perdido.

Quando chegou a vez dele de falar, fez uma pausa dramática, olhou em volta, e soltou:

— "Bom… É sempre um prazer receber… err… Vocês todos aqui."

Um silêncio constrangedor caiu sobre a sala. O secretário da Educação arriscou um sorriso:

— "Obrigado, senhor representante…"

Mas o representante interrompeu, franzindo a testa:

— "Desculpe… Quem mesmo são vocês, exatamente?"

Os arguidos trocaram olhares nervosos, enquanto um dos não arguidos tentou salvar a situação:

— "Somos… o governo. Quer dizer, éramos… o governo."

O representante piscou algumas vezes, como se estivesse processando aquela informação.

— "Ah, claro, o governo! O que caiu… Mas então, por que estão todos aqui? Não deviam estar em casa… ou na polícia?"

Um arguido não resistiu e sussurrou, alto o suficiente para ser ouvido:

— "Bem, pelo menos ele ainda se lembra da polícia."

E o espetáculo continuou. Durante os cumprimentos, o representante da República fez questão de apertar a mão de cada um, com um sorriso cordial, mas a cada novo aperto, parecia estar recomeçando o ciclo:

— "E você, quem é mesmo?"

Ao que a secretária da Agricultura, tentando manter a compostura, respondeu:

— "Sou a responsável pela Agricultura… e, hum, pelas Pescas."

— "Agricultura… pescas… hum… curioso, você pesca ou planta?"

— "Bom… nenhuma das duas."

No final, já sem paciência, um dos arguidos cochichou para outro:

— "Sorte a dele que tá ficando cheché. Quando a polícia bater na porta, nem se vai lembrar do que fizemos."

O representante da República, alheio às trocas de olhares cúmplices, concluiu a cerimónia com um aceno confiante, olhando para o nada:

— "Excelente. Tenho a certeza de que o governo continuará… ou começou… ou o que quer que estejam fazendo… muito bem. Boa sorte!"

E assim, entre lapsos de memória, discursos trôpegos e arguidos cínicos, o encontro terminou como começou: com todos saindo da sala sem saber muito bem quem ainda fingia ser o quê.

E assim terminou mais um capítulo brilhante na história da política regional: um governo caído, uma sala cheia de egos e processos judiciais, e uma ilha que só pode rir para não chorar.

Enviado por Denúncia Anónima
Quarta feira, 18 de Dezembro de 2024
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