D iz-se que o voto é gratuito. Mas não é. Custa. E não apenas ao cidadão que se levanta ao domingo para ir depositar a sua fé numa urna de cartão reciclado. Custa ao Estado. Custa à democracia. E, em tempos de eleições antecipadas, custa ainda mais, 26,5 milhões de euros, para sermos exatos.
Por cada boletim metido na urna, 3,87 euros saem dos cofres públicos direitinhos para os cofres partidários. É uma equação simples e perfeitamente legal: 1/135 do IAS, atualmente nos 522,50€, por cada voto válido. Resultado? Um voto com um valor facial superior a um café duplo em Lisboa, e com consequências bem mais prolongadas no sistema nervoso.
Ora, a chamada “subvenção pública para despesas de campanha” serve, em teoria, para garantir a igualdade de oportunidades no debate democrático. Na prática, há partidos que fazem da matemática eleitoral uma ciência de sobrevivência. E há outros, mais discretos, mais estáveis, mais capazes de governar, que se centram no essencial: as propostas, a responsabilidade e o país.
O problema maior não está no custo da democracia, mas no custo da ilusão. Quando o voto útil se fragmenta em microestratégias e caprichos ideológicos, há pequenos partidos que ganham grandes ajudas sem nunca terem de provar grande coisa. Basta ultrapassar a fasquia dos 50 mil votos para começar a receber um subsídio anual, mesmo sem assento parlamentar. E assim, entre o idealismo e a inércia, alimenta-se um microclima de partidos que vivem do voto, mas raramente vivem para o eleitor.
Veja-se o caso de alguns deputados-satélite que orbitam pela Assembleia sem nunca entrarem em verdadeira combustão legislativa. Deputados que falam muito mas legislam pouco; que protestam em prime time mas pouco ou nada produzem entre comissões. Há quem confunda o Parlamento com um estúdio de televisão, e, por vezes, o voto com uma espécie de donativo caritativo a egos feridos.
No topo da pirâmide, o contraste é gritante. A disparidade entre o salário do futuro Primeiro-Ministro e o rendimento médio do cidadão é mais do que uma questão de euros, é uma questão de ética pública. A remuneração do Presidente da Assembleia, por exemplo, continua a ser um símbolo de como se valoriza o cargo, mas desvaloriza o eleitor. Porque enquanto uns vivem da política, outros vivem com a política às costas.
Entretanto, preparam-se as campanhas. A AD estima gastar 2,55 milhões; o PS será mais comedido, com 2,25 milhões e uma aposta reforçada na propaganda digital. Já o Chega, com o entusiasmo de quem ainda não aprendeu a diferença entre gritar e governar, planeia ultrapassar os 1,6 milhões de euros, mais do dobro do que há um ano. Um investimento curioso para quem tanto se queixa do sistema, mas tão depressa aprendeu a extrair dele cada cêntimo.
Em contrapartida, outros partidos ajustam o cinto. A CDU e o BE reduzem a despesa. O Livre e o PAN mantêm a modéstia orçamental. A Iniciativa Liberal, mais amiga dos privados, continua a confiar nos seus financiadores. Todos tentam ajustar o discurso à carteira, o que, convenhamos, é mais difícil do que parece num país onde se promete tanto e se cumpre tão pouco.
Fica assim o retrato de uma democracia que, entre boletins e boletins de voto, continua a gastar milhões a tentar parecer plural, mesmo quando alguns apenas contribuem para o ruído. Não está em causa a liberdade de escolha. Está em causa o uso inteligente dessa liberdade. Um voto pode não mudar o mundo, mas pode ajudar a impedir que o mundo se torne numa caricatura de si próprio.
E neste tempo de escolhas, talvez valha a pena pensar não só no que se quer dizer com o voto, mas no que ele realmente financia.
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