A cultura que alimenta o turismo está a passar fome.


Carta aberta sobre a indiferença institucional e o desrespeito pelos artistas na Madeira

E screvo esta carta em nome de muitos artistas que, como eu, vivem e trabalham na Região Autónoma da Madeira e que, ano após ano, enfrentam as mesmas dificuldades impostas por entidades públicas que, ironicamente, deveriam apoiar a cultura e os seus criadores.

Refiro-me, com particular ênfase, à Direção Regional do Turismo, mas também à Direção Regional do Orçamento e Tesouro (DROT), bem como a outras direções regionais que sistematicamente demoram semanas, e por vezes meses, a pagar os serviços prestados por artistas e profissionais do setor cultural.

Enquanto as Câmaras Municipais, com todos os seus constrangimentos, mantêm um sistema de faturação eficaz e uma comunicação célere, já as direções regionais mergulham numa espiral kafkiana de desculpas rotativas. Primeiro, é porque “o orçamento ainda não foi aprovado”. Depois, é porque “o perito está de férias” ou “estão a processar os subsídios de Natal”. Outras vezes, simplesmente, “o processo ficou pendente”.

Na prática, os pagamentos empurram-se para os 30, 40, 60 dias ou mais, sem previsibilidade nem sensibilidade. A DROT, organismo responsável pela elaboração do Orçamento Regional, pela execução da política orçamental e pela gestão financeira da Região, deveria zelar por transparência e responsabilidade. Em vez disso, torna-se muitas vezes cúmplice de uma máquina emperrada e desumana.

A Direção Regional do Orçamento e Tesouro define-se como o serviço que “apoia a tutela na definição, execução e acompanhamento das políticas fiscal, orçamental e financeira”. Mas que apoio é esse, quando falha o essencial, pagar a quem já cumpriu o seu trabalho?

Os artistas não são figurantes de propaganda turística. São profissionais que ensaiam, criam, investem e entregam. Trabalham em condições precárias, sem garantias, muitas vezes sem rede. E quando o pagamento se atrasa, não se afeta apenas um projeto, afeta-se a comida na mesa, as contas do mês, a saúde mental, a dignidade.

Esta realidade tornou-se um abuso institucionalizado. E não se pode normalizar.

Muitos calam-se, com medo de represálias ou porque já perderam a força para lutar. Alguns resignam-se e tornam-se marionetas de um sistema viciado. Outros andam nas ruas da amargura, esmagados pela precariedade. Mas enquanto houver artistas atentos, lúcidos e de pé, esta verdade não perecerá. Nunca ficaremos em silêncio.

Não basta proclamar que “o turismo valoriza a cultura” se, na prática, a cultura é deixada para último plano. O espetáculo pode ser bonito, mas os bastidores estão cheios de artistas exaustos e ignorados.

Apelo à comunicação social para que investigue e denuncie esta situação. Que se tornem públicos os prazos médios de pagamento. Que se convoquem os responsáveis a prestar contas. Que se ouçam os artistas não apenas quando sobem ao palco, mas quando exigem dignidade.

Porque sem dignidade para os artistas, a cultura não é motor de desenvolvimento, é apenas adereço político.

Com consideração,
Artista atento

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