N a Madeira, terra de paisagens deslumbrantes e postais turísticos cor-de-rosa, há sempre uma pequena grande ironia a pairar no ar, e agora também na água. A lagoa de S. Jorge, em Santana, local idílico onde a natureza parecia ainda resistir à mão desleixada do homem, está hoje transformada numa triste metáfora do que é esta governação regional: uma fossa séptica a céu aberto.
A fossa, que deveria conter e tratar devidamente os resíduos, está a poluir as águas da lagoa. Resultado? O bar da praia foi forçado a fechar portas, porque até os turistas, aqueles que normalmente aguentam tudo por uma selfie, recusam-se a mergulhar num caldo de dejetos.
Mas não se pense que esta é uma exceção. Não, senhor. Basta dar um passeio pela Praia Formosa para perceber que na Madeira o conceito de saneamento básico é uma espécie de lenda urbana. Os bares da Praia Formosa, alguns deles de funcionamento “criativo”, sem licenças, sem fossas sépticas, sem tratamento de águas residuais, descarregam diretamente para o mar aquilo que deviam tratar longe da costa. É esgoto puro, servido com limão e guarda-sol, e quem quiser que mergulhe.
E enquanto isso, na Madeira das cinco estrelas, essa ilusão vendida ao turismo de massa, há hotéis que ostentam orgulhosamente as suas classificações de luxo mas que, na prática, não cumprem sequer um dos critérios europeus mais básicos para manter tal estatuto: o tratamento adequado e ambientalmente responsável das águas sanitárias. É verdade, caro leitor: na Madeira, nem um único hotel cumpre este requisito. Sim, leu bem, nem um. Aqui, as cinco estrelas brilham no letreiro, mas o cheiro vem do esgoto.
É este o “turismo de qualidade” que Eduardo Jesus, o Secretário Regional do Turismo, tão entusiasticamente promove nas feiras internacionais. Uma qualidade premium feita de águas contaminadas, fossas a verter e licenças que ninguém quer saber se existem. E quem supervisiona tudo isto com a mesma indiferença de sempre? Miguel Albuquerque, o presidente de um governo que se limita a cortar fitas, sorrir para as câmaras e deixar correr, literalmente.
A pergunta impõe-se: será que alguém da governação madeirense conseguiria passar num simples exame de cidadania ambiental? Ou, mais provavelmente, também eles preferem mergulhar nas águas turvas da impunidade e do faz-de-conta?
Na Madeira, poluir não é escândalo: é prática corrente. Fechar os olhos tornou-se desporto regional e lavar as mãos, quando há água limpa para isso, é a especialidade da casa.
A fossa não está só na lagoa. A fossa, meus caros, está instalada na forma como se governa esta terra.
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