H á polémicas que se explicam sozinhas. A mais recente envolve Miguel de Sousa, o homem que se diz ofendido por um jornal que, segundo ele, vive à custa da cerveja que vende. O mesmo Miguel de Sousa que, paradoxalmente, preside a um Gabinete de Estudos do PSD-Madeira que considera ser… “trabalho de oposição”.
A história começou com uma reportagem inócua, publicada pelo Diário de Notícias da Madeira, que procurava saber o que fazia, ou não fazia, o referido gabinete. Miguel de Sousa respondeu como só ele sabe: com indignação teatral, ataques pessoais e uma crónica intitulada “Sem vergonha”, em que o título parece, ironicamente, uma confissão involuntária.
A jornalista Paula Henriques relatou factos, a ausência de produção conhecida, a perceção interna de inatividade, as críticas à falta de utilidade prática da estrutura. Em vez de responder com argumentos, Miguel de Sousa partiu para o insulto, insinuando que os jornalistas deviam ser “gratos” a quem, como ele, “paga salários” através dos patrocínios. É uma velha confusão entre publicidade e propriedade, entre pagar um anúncio e mandar no jornal.
Mas o que torna o episódio verdadeiramente preocupante não é o tom arrogante, é o pensamento que o sustenta. Para Miguel de Sousa, os jornalistas só servem quando o elogiam. Quando o escrutinam, são ingratos. Quando lhe pedem explicações, são mal-intencionados. É uma visão de quem nunca compreendeu o papel da imprensa.
O seu texto no DN é, aliás, um catálogo de contradições. O mesmo homem que dirige um Gabinete de Estudos afirma que “não precisa de fazer estudos” porque já os faz nas crónicas e nos comentários que assina na rádio TSF. Fica então a dúvida: será que os comentários de António Trindade, do PS, e de Ricardo Vieira, do CDS, no mesmo programa, também contam como “trabalho do gabinete”? Ou só os de Miguel de Sousa é que valem como “produção científica”?
Depois há o machismo despudorado, disfarçado de desabafo. Quando diz que votará em qualquer candidato à Presidência da República “desde que não seja mulher”, Miguel de Sousa mostra que não é apenas um político fora do tempo, é alguém que ainda acredita que o género define a competência. E, como se não bastasse, faz insinuações misóginas sobre a jornalista, apenas porque teve a ousadia de lhe fazer perguntas incómodas.
Como se não bastasse, no mesmo artigo, Miguel de Sousa escreveu que o Diário de Notícias “se tornou dispensável” e que “os jornais centenários também morrem”. Ou seja, lamenta ter sido criticado num jornal que, segundo ele, deveria simplesmente fechar portas. É um raciocínio curioso: querer continuar a escrever, a ter palco e visibilidade num jornal que considera dispensável e cuja extinção sugere. Fica a dúvida se o problema é com o jornal ou apenas com o facto de, desta vez, o jornal não o ter tratado como gostaria.
No fundo, tudo se encaixa: o empresário que confunde o poder económico com influência política, o político que confunde opinião com ciência, e o colunista que confunde microfone com legitimidade moral. Miguel de Sousa faz tudo para se manter na crista da onda, ontem elogiava Paulo Cafôfo porque este lhe garantia espaços para o seu Café do Teatro; Ainda antes disso, e durante décadas , via em Alberto João Jardim um estadista à escala de Carlos Magno; quando este caiu em desgraça , foi dos primeiros a lhe meter o pé em cima; hoje elogia Miguel Albuquerque porque é o líder que está no poder. Amanhã, se o vento mudar, chamará traidor e incompetente ao mesmo homem.
Nada disto é novo. Miguel de Sousa sempre foi fiel à sua sobrevivência. Nunca a um partido, nem a um princípio. Por isso é que aceita dirigir um organismo que considera inútil, enquanto proclama que “não há estudos a fazer”, talvez porque o único estudo que o interessa é o das conveniências pessoais.
Chama de " esquerdistas " os que o confrontam, quando é o homem que não se cansa de dizer que ele próprio , e o "seu" PSD, é centro-esquerda. Miguel de Sousa, de centro - esquerda. A piada faz-se sózinha.
O artigo de hoje é uma enciclopédia condensada de incoerência, oportunismo, ameaça e, nas palavras do próprio, falta de vergonha!