O s maritimistas morreram. Lembro-me de ver um clube com sócios e adeptos de faca nos dentes, gente que defendia o Marítimo até quando não havia muito por onde o defender. Quem ousasse falar do clube tinha de saber ao que vinha, porque aparecia sempre um maritimista a desmontar a conversa, facto a facto.
A casa era de gente que amava o clube, amadores no melhor sentido da palavra, sem agendas paralelas. Eram sócios exigentes, pensavam pela própria cabeça, cobravam competência a todos, dentro e fora de campo, e não arredavam pé. Quando o Marítimo aparecia, , nas amadoras, na equipa principal ou na formação, os outros tremiam, a derrota alheia era uma questão de quanto, não de se.
Chegámos a 2025 e o espelho devolve o oposto. Há SAD, há organogramas e powerpoints, há pose de grande empresa. Nas modalidades amadoras sobram ecos do passado, promessas e umas velinhas ao santo do dia à espera dos dinheiros do “GOVERNO”.
O clube tem um presidente remunerado e uma direcção que fala muito, promete bastante e explica pouco. As bancadas recebem derrotas, empates e, de vez em quando, uma vitória que parece acidente estatístico. Os sócios saem do estádio com cara de quem foi ao supermercado e trouxe o saco vazio. E, no meio disto, aparecem palcos paralelos nas redes e nas rádios: uns a vender apocalipse, outros a embrulhar esperança em papel de embrulho. No fim, a prateleira é a mesma, um lamaçal onde maritimistas atiram lama uns aos outros, enquanto a realidade passa ao lado. O Marítimo não está doente. O Marítimo está em coma induzido.
Este presidente e seus pares prepararam um “pacote” de investimento que foi devidamente abençoado pelo presidente do conselho fiscal para venderem aos sócios, alguns compraram e autorizaram a abertura ao “EL Dourado”, no fim era tudo uma máfia que teve de ser desmascarada por um jornalista alucinado.
Depois há a novela da tesouraria, em vez de se dizer claramente o que se passa, discute-se semântica de datas, “Naquela data” não havia salários em atraso, na véspera já havia, no dia seguinte logo se vê. Quem quiser confirmar, que vá ao Fórum beber um chá com um ou outro jogador, pode até ser dos sub-23.
E quando a bola entra, em vez de se aproveitar o raro alinhamento dos planetas, surgem declarações com efeito Black Friday, “vamos vender jogadores sem hipotecar a subida e com contas equilibradas”. Três pérolas de uma assentada. Vender quem, exatamente, num plantel curto e ansioso. Anunciar vendas em voz alta é o mesmo que pôr etiqueta fluorescente na montra.
“Sem hipotecar a subida” é frase para recortar e arquivar, porque em Maio costuma dar jeito dizer que nunca se prometeu nada.
“Contas equilibradas” com défices acumulados a rondar vários milhões é uma definição criativa de equilíbrio. Talvez no dicionário onde “buraco” rima com “serenidade”.
O mais inquietante não é a trapalhada. É a passividade. O maritimista de antigamente não ficava sentado a ver o incêndio, chamava os bombeiros, pegava no balde e, se fosse preciso, fazia o auto de fé em plena Avenida. Hoje, paga-se para ver mais do mesmo e ainda se agradece o estacionamento. O Leão não ruge. O Leão boceja e as hienas acham graça e passeiam alegremente sem medo, os búfalos pastam e a savana segue o seu curso sem rei, impávida, porque quem tinha de acordar adormeceu no intervalo.
Quem fez bem foi esse grande Maritmista de gema e dos 7 costados, o Vítor Calado, que pegou no leme do Marítimo e já navega na grande caravela da FPF e nem se lembra que passeava pela avenida com um polo do CSM.
Acordem, maritimistas, sejam do Marítimo primeiro e das narrativas depois. Exijam listas, números, prazos, decisões, consequências.
Exijam respeito pelo emblema e pelos sócios.
Quem quer profissionalização tem de aceitar profissionalismo a sério, com prestação de contas e responsabilidade, não folhetos motivacionais. O Leão ainda respira. Falta quem lhe dê oxigénio, não quem lhe faça discursos.
ACORDA MARITIMO

