D epois de tudo o que se passou, a publicação da crónica “Jorge Carvalho” no Diário de Notícias é a prova final de que a promiscuidade entre política, empresas e imprensa na Madeira atingiu níveis de baixeza sem precedentes.
Recordemos os factos. Miguel de Sousa, indignado por uma notícia que relatava a paralisia do Gabinete de Estudos do PSD, estrutura que ele próprio preside e considera “trabalho de oposição”, respondeu com um texto insultuoso e misógino, atacando a jornalista, o jornal e o seu diretor. Escreveu preto no branco que o Diário de Notícias “se tornou dispensável” e que “os jornais centenários também morrem”, sugerindo, sem pudor, que o Diário deveria fechar portas.
O diretor, Ricardo Miguel Oliveira, respondeu com firmeza: “Não nos vergamos.” E durante uns dias, acreditou-se que o DN ainda preservava uma réstia de dignidade editorial. Mas eis que, poucas semanas depois, lá surge de novo Miguel de Sousa nas páginas do mesmo Diário, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse ofendido quem lá trabalha, como se não tivesse cuspido no próprio espaço que agora volta a ocupar.
Isto já não é só “sem vergonha”, para usar a expressão predileta de Miguel de Sousa, é o colapso moral completo de uma estrutura que se diz jornalística, mas que aceita ser usada como tribuna pessoal de quem a descredibiliza. A normalização da ofensa, do compadrio e da incoerência tornou-se regra.
Será porque Miguel de Sousa é primo de Luís Miguel de Sousa, dono do grupo económico que controla o Diário de Notícias e os barcos do Grupo Sousa? É essa a imunidade que lhe permite regressar impune ao mesmo Diário onde insultou jornalistas e ameaçou a sua sobrevivência? Que poder é este, tão absoluto, que nem a vergonha o consegue travar?
Miguel de Sousa volta a escrever, volta a comentar na TSF como se nada tivesse acontecido, volta a falar em “seriedade”, em “ciclos” e em “matrizes pessoais”, como se não tivesse ferido de morte a credibilidade do espaço público que usa para se promover. Na política deve haver poder de encaixe; o que aqui se vê é poder sem decência.
O episódio faz lembrar outros tempos, quando Miguel de Sousa insultava Alberto João Jardim em público e o elogiava no dia seguinte, quando se servia do Café do Teatro para negócios de ocasião e depois renegava os mesmos apoios de que beneficiava. É sempre o mesmo padrão: atacar, negar, reaparecer. A amnésia é o combustível da sua carreira.
A verdade é que o Gabinete de Estudos do PSD continua a ser uma inexistência. Um nome pomposo para um vazio funcional, presidido por alguém que não acredita no seu propósito. E o Diário de Notícias, ao continuar a dar palco a quem o desrespeita, confirma apenas o que o próprio Miguel de Sousa escreveu: há jornais centenários que morrem. Uns porque o tempo os leva; outros porque se vendem.
