O terror vive nas ribeiras da Madeira


S enhor Presidente do Governo Regional da Madeira considere aceite o seu desafio para que publicamente se teça algumas considerações sobre as obras nas ribeiras (link). Inicialmente pensei enviar o meu texto para o Diário ou para o JM, mas muito provavelmente não seria publicado, visto o acionista comum dos dois jornais ser, por coincidência, empresário da Construção responsável pelas obras das ribeiras. Não foi preciso somar dois mais dois e, a conselho de um familiar, decidi enviar para o Correio da Madeira, aos quais agradeço a publicação.

Sou madeirense, mas pelas razões acima referidas, não me vou identificar prometendo indicar-lhe alguns nomes de especialistas de Hidráulica, a quem V. Exa, caso o deseje, poderá pedir esclarecimentos sobre o mesmo assunto.

Que fique claro que não sou contra as obras, mas o que me move neste momento é a ignorância e o embuste de algumas obras que se fizeram e se continuam a fazer na Madeira. V. Exa já reparou que todas as obras da Madeira construídas na água, metem água?

Sem perder mais tempo vamos então falar sobre as obras nas ribeiras. Como V. Exa. não deve perceber nada de Hidráulica - nem tem de perceber – e para não me tornar maçadora vou tentar evitar os termos técnicos sobre a engenharia e sobre a hidráulica, por isso nem lhe vou explicar a mecânica dos fluidos, ou seja, nem as equações diferenciais de Navier Stokes que descrevem o escoamento de fluidos, nem o Teorema de Bernoulli que representa o princípio da conservação da energia.

Como tenho um filho de 8 anos e ele percebeu, vou utilizar o mesmo exemplo. De certeza que V. Exa conhece bem as levadas da Madeira, que são orgulhosamente um património único da nossa ilha. Se colocar uma folha seca na água de uma levada vai verificar que ela se desloca no sentido da água o que qualquer pessoa facilmente entende. O que não é facilmente percetível é que a velocidade da água e da folha não são idênticas, isto é, ao longo da secção da levada a água (que é um fluido) tem velocidades diferentes. No fundo e nas paredes a velocidade é menor e no centro e à superfície é maior, isto é, o escoamento unidimensional desse fluido move-se no mesmo sentido mas com velocidades diferentes. Muito simplesmente a rugosidade das paredes da levada travam a água, ou seja, quanto mais rugosa for a superfície, menor é a velocidade.

Se as paredes da levada parecem regulares, imagine o leito de uma ribeira onde não existem paredes e fundos regulares. Pior, imagine que a geometria da secção é dinâmica e varia ao longo do tempo e que a levada se inclina com a orografia e tem um trajeto aleatório, então o problema torna-se complexo. Como a velocidade superficial da água é maior que a do fundo corre-se o risco da estrutura da levada ter sido mal calculada e provocar ondas que podem facilmente sair do seu percurso e causar danos, destruição e mortes.

Claro que, os que já entenderam a mecânica do sistema, devem ser os maiores defensores de uma canalização reta, lisa sem atrito como um modo de conter a água no seu percurso. Nada mais errado! (Lembre-se do revestimento das ribeiras).

A agravante do problema é que, enquanto a água das levadas é limpa, a das ribeiras transportam material sólido, isto é, terra, pedras, troncos, lixo, ou seja, uma infinidade de partículas com diferentes massas que aumentam a energia potencial e precisam de ser travadas para que esta não se converta em energia cinética destruindo o que apareça à frente no seu trajeto. 

Para não me tornar maçadora com pormenores técnicos, o importante é criar mecanismos físicos que, além de travarem a velocidade superficial, das águas reduzam o diferencial da velocidade em todas as secções por onde a ribeira passa. 

Para não me alongar mais, canalizar as ribeiras a qualquer preço, como se fez na Madeira, não é solução e devia ser considerado crime. A maioria das secções têm um percurso reto, são estreitas e construídas com paredes verticais, ou seja o diferencial das velocidades do fluido é ainda maior. Não basta colocar travessões e enterrar betão a olho para retardar a velocidade e consequentemente reduzir o caudal destrutivo.  Até se compreende que pela falta de espaço geográfico se desenhe os trajetos e se opte por muros de contenção que limite as ribeiras, evitando a queda de material no leito, mas isso não deve ser razão para cometer imprudências.

Para que se entenda melhor, anexo uma foto de uma ribeira canalizada (repare no pormenor parabólico das paredes da secção para equilibrar as velocidades), atravessa uma zona urbana no Japão altamente densa onde as chuvas, na época das monções, são 10 vezes mais frequentes e que é um bom exemplo do que se deve fazer. Pelo que acima referi, rogo-lhe que não acredite em tudo o que os construtores lhe dizem, porque o objetivo deles é ganhar dinheiro no mais curto espaço de tempo. O pior é que suspeito que se houver destruição ainda ganham mais dinheiro a reconstruir.

Se tiver tempo disponível, pergunte-lhes porque é que no último temporal foram nas ribeiras do Funchal e da Madalena, onde foram feitas obras de canalização à bruta, que surgiram os maiores problemas de galgamento. Garanto-lhe que lhe vão inventar uma mentira.

Como já disse, não me vou identificar, mas para que saiba sou uma loura que saiu da Madeira em 2018, que leciona numa Universidade e técnica de um maiores laboratórios da Europa que, por acaso, tem dois doutoramentos, um deles na área da Hidráulica.

Especialistas portugueses que recomendo e que deve consultar:

  • Prof. Pedroso de Lima, UC
  • Prof.  Betâmio de Almeida, IST - que julgo que foi o responsável pelo EARAM e EARAM II.

Senhor Presidente, seja humilde, aprende mais.


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Enviado por Denúncia Anónima.
Sexta-feira, 9 de Junho de 2023
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