O que se passa neste país?
T emos leis contra o incitamento ao ódio, mas o Ventrulha continua a cuspir preconceitos como quem distribui panfletos de feira. Fala como um profeta da decadência, como se a raiva fosse virtude e o preconceito um acto de coragem. E o mais trágico é que muitos o escutam, fascinados pela vulgaridade travestida de franqueza. Não percebem que o ódio é uma forma de ignorância organizada — uma epidemia de cegueira moral que alastra sempre que a justiça adormece.
O homem que se diz patriota voltou a colar cartazes com o nome de uma etnia, como quem pendura um aviso de caça. O que chama “defesa da lei” é, na verdade, um ataque à própria ideia de humanidade. Diz que quer “ordem”, mas o que promove é divisão. Fala de “mérito”, mas vive do rancor. Faz-se de “justiceiro”, mas o seu tribunal é o bar da esquina, e a sua sentença é sempre o mesmo refrão: culpar os mais pobres pelos crimes dos poderosos.
Enquanto isso, o país observa, anestesiado, como se o ódio fosse apenas uma opinião política e não o veneno que corrói o que resta de decência democrática. A indiferença é o luxo dos covardes. O medo é a desculpa dos cúmplices. E o silêncio é a bênção que o ódio mais deseja. O discurso que começa com “eles” acaba sempre em “nós”. Hoje são os ciganos, amanhã serão os desempregados, depois os professores, os artistas, os que pensam diferente. O ódio nunca se sacia — apenas muda de alvo.
A lei é para todos, dizia um cidadão lúcido da Moita. Pois é. Mas falta quem a aplique a quem grita mais alto. Porque neste país, quem rouba um pão é preso, mas quem semeia o ódio é eleito. Quem mata a fome vai para a cadeia, quem mata a dignidade vai à televisão. E entre um e outro, a justiça finge não ver.
Vivemos numa democracia onde o insulto ganhou estatuto de argumento e a mentira passou a ser liberdade de expressão. Mas a liberdade não é licença para a crueldade. A política não é teatro para bufões nem púlpito para pregadores de ódio. É o espaço onde se decide o destino de seres humanos — e cada palavra usada para humilhar, excluir ou desumanizar é uma ferida aberta na República.
A justiça, se ainda existe, deve levantar-se. Não em nome da vingança, mas em nome da razão. Porque quem banaliza o ódio destrói a base da convivência civilizada. E se o Estado nada fizer, se os tribunais continuarem surdos e a sociedade continuar muda, então preparem-se: o próximo capítulo desta tragédia não se chamará “liberdade”, mas “colapso”.
E os imbecis que o seguem ainda se riem.
