S ou professor na Universidade da Madeira há tempo suficiente para saber duas coisas: que o talento assusta e que a honestidade, aqui, ainda é vista como um capricho perigoso. Sim, é verdade. Continuamos a ser uma instituição que adora discursos sobre mérito, que enche relatórios de palavras como "excelência", "rigor académico" e "transparência". Mas basta estar aqui dentro meia dúzia de anos, ou meses, para perceber que esses termos são tão reais como as palmeiras de plástico do campus.
Na prática, o que se premia nesta casa é a habilidade de sobreviver ao sistema sem o questionar. Quem mostra brio, quem tenta elevar os padrões, quem se recusa a alinhar com a mediocridade institucional… é posto de lado. Discretamente, claro. Ninguém é despedido por ser competente, apenas ignorado até desistir. Ou substituído por alguém que sorri mais para as pessoas certas.
Os cargos de gestão? Raramente entregues a quem tem visão ou competência. São ocupados por quem sabe estar. Ou melhor: por quem sabe calar. As promoções? Concedidas num jogo de bastidores onde a produtividade científica pesa menos do que a capacidade de "não incomodar".
E se pensam que isto é exagero, convido-vos a olhar para as carreiras dos docentes que mais contribuíram para a universidade nos últimos anos. Muitos estão parados. Estagnados. Com currículos invejáveis mas sem acesso a oportunidades. Enquanto isso, outros, sem publicações, sem aulas de qualidade, sem sequer a decência de esconder a falta de vocação, vão subindo, vão gerindo, vão mandando.
Dói mais porque isto é uma universidade. Não é um clube de futebol nem um gabinete partidário.
A Universidade da Madeira deveria ser um templo do saber, farol do pensamento crítico, casa do mérito académico.
Porque, meus caros, nesta universidade, tal como em tantos outros palcos públicos da ilha, não interessa quem trabalha, quem se esforça, quem dedica a vida a ensinar com rigor ou a investigar com ética. Isso é para totós. Aqui, o prémio vai para os que dominam a arte do jogo de cintura, do empurrar com a barriga, do sorrir ao reitor enquanto esfaqueiam o colega pelas costas.
Os honestos? Esses ficam a dar aulas em salas a cair de podres, a orientar teses que ninguém lê, a ver os lugares de chefia irem para os mesmos de sempre. Os incompetentes com cunha? Sobem mais rápido. E ainda têm direito a medalhas, comendas e, se tiverem jeito para o teatro, a uns cargos administrativos bem remunerados.
Claro que nada disto é surpreendente. Estamos na Madeira, afinal, a ilha onde a lógica é sempre a mesma: o mérito é opcional, a honestidade é decorativa, e a competência, coitada, é vista com desconfiança. Mas numa universidade, onde se forma o pensamento, onde se deviam formar consciências, a coisa ainda choca. É como ver um padre a vender indulgências à porta da igreja, não que não esperássemos, mas ainda assim dá vontade de dizer “tenham vergonha”.
Mas não. Vergonha é artigo raro por estas bandas. Há quem suba por saber calar-se na altura certa, alinhar com os “de cima”, ou simplesmente por saber fazer nada com grande estilo. Porque na UMa, o que se premia não é a excelência, é o servilismo e, claro, o jeitinho para sobreviver à selva universitária sem nunca levantar ondas. Um verdadeiro MBA em Gestão de Silêncios Coniventes.
E assim vai a academia na Pérola do Atlântico a formar gerações entre a apatia e o conformismo, com professores a verem carreiras estagnadas enquanto os medíocres sobem de nível como num jogo de consola mal programado.
Mas vá, não sejas injusto. Às vezes também se premeia mérito. Desde que venha com carimbo político ou com pedigree de apelido influente.
Nada de novo na ilha. Mas neste caso, custa um bocadinho mais engolir, especialmente quando quem devia ensinar o valor da integridade prefere dar lições de sobrevivência à base de bajulação.
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