Entre drones e slogans sustentáveis, a natureza da ilha está a ser sacrificada num modelo turístico insustentável
A Madeira tem sido promovida como um paraíso natural, um destino “verde” de beleza intocada. Mas por detrás das imagens idílicas que correm mundo, esconde-se uma realidade preocupante: a destruição silenciosa e deliberada dos ecossistemas mais valiosos da ilha em nome de um modelo turístico que favorece lucros imediatos, ignorando os limites da sustentabilidade.
A entidade encarregue da promoção da região — financiada com dinheiro público — tem seguido uma lógica de crescimento contínuo, transformando a natureza madeirense numa mercadoria descartável. Em vez de proteger o território, contribui para a sua degradação, inclusive em zonas classificadas da Rede Natura 2000, onde a presença humana deveria ser fortemente regulada. Um dos exemplos mais gritantes é o Parque Florestal do Fanal, outrora um santuário de laurissilva, agora invadido diariamente por sessões fotográficas, piqueniques descontrolados e hordas de turistas.
As levadas, que outrora proporcionavam caminhadas serenas em comunhão com a paisagem, são hoje percorridas por milhares de pessoas todos os dias. Só em 2023, estimam-se mais de 1,6 milhões de caminhadas nestes trilhos, com alguns percursos a registarem até 2.000 visitantes por dia. O impacto é evidente: trilhos erodidos, vegetação destruída e fauna perturbada. Um estudo da Universidade da Madeira concluiu que 40% das levadas em áreas de floresta laurissilva apresentam sinais sérios de degradação ambiental.
Este crescimento não é apenas excessivo — é insustentável. A Carta de Turismo Sustentável da Madeira, aprovada em 2021, recomenda um máximo de 1,2 milhões de turistas anuais. Contudo, em 2023, a região registou cerca de 1,9 milhões de visitantes, ultrapassando largamente esse limite. Esta pressão está a comprometer não só o património natural, mas também a qualidade de vida dos residentes e a própria experiência turística, que se banaliza à medida que a autenticidade cede ao excesso.
Importa sublinhar que esta destruição não é acidental. É uma opção estratégica. A entidade promotora está plenamente ciente dos impactos ambientais e da fragilidade dos ecossistemas envolvidos. No entanto, continua a vender a Madeira como destino de natureza “pura” e “autêntica”, numa campanha que mais parece greenwashing institucional. Plantar árvores uma vez por ano não compensa a degradação contínua de habitats únicos e irreversíveis.
A floresta Laurissilva da Madeira, que cobre cerca de 20% da ilha e é reconhecida como Património Mundial da UNESCO, alberga mais de 1.200 espécies, muitas das quais endémicas. A sua destruição representa uma perda inestimável — não apenas para a Madeira, mas para o mundo.
Promover não é explorar. Promover é preservar.
A Madeira precisa urgentemente de uma mudança de paradigma. Chegou a hora de exigir responsabilidade política, transparência nas decisões e fiscalização rigorosa. A promoção turística não pode continuar a ser feita à custa do património natural que dá identidade à ilha.
Caso contrário, o que restará da Madeira será apenas uma imagem de marca — bela, mas vazia. E quando o último bosque for pisado, o último trilho erodido e o último canto de silêncio abafado pelo turismo de massas, nem todos os vídeos de drones nem os slogans de “natureza autêntica” conseguirão esconder o desastre que hoje se está a permitir.
0 Comentários
Agradecemos a sua participação. Volte sempre.