O mito grego antigo de Midas, da Frigia, fornece uma lição sobre o excesso da riqueza.
O rapaz é jovem, veio de gente humilde e meio pobre de prata, mas rico de ambição e vontade de enriquecer em excesso. Já vivia o ensinamento de Oscar Wilde que dizia: «A moderação é fatal...nada tem tanto sucesso quanto o excesso». Porque moderação, domínio de si próprio tende a produzir tédio. O ser humano gosta do excesso, não gosta do tédio.
O chefe foi advertindo, foi aceitando pacientemente os excessos, até ao dia em que a reprimenda foi a sério, assaz violenta.
- Pede um desejo para que os teus excessos tenham um fim de uma vez por todas - disse o chefe furibundo.
Ao párvulo saltou-lhe os olhos e rematou com voz forte:
- que tudo o que toque se transforme em ouro!
Pesaroso para se livrar dele, o chefe consentiu, mas sentiu tristeza por não ter escolhido outra forma mais piedosa de conversão.
Agora sim o excesso não tem limites, fervilham os dedos aquecidos pelo desejo ilimitado daquele poder.
Ao sair da seráfica sala das visitas, afagou um bichano que à porta afiava as unhas no tapete, o pelo do bicho ficou luzidio amarelecido como a luz do sol em pleno verão. A festa geral aconteceu.
Depois foi um raminho que arrancara ao cardeal que enfeita as paredes do palácio do chefe, transformou-se em ouro na sua mão. Mas para confirmar melhor pegou numa pedrinha que para ali rolava perdida do resto da calçada, mudou-se para ouro. Em casa, radiante pelo Euromilhões que tinha nas mãos, pegou num punhado de terra e pimba, ouro. A sua alegria não tinha limites.
Depois tanta sorte em um só dia com o negócio dos negócios, sentiu fome e sede. Pegou numa peça de fruta, num pedaço de pão e tudo enrijece e converte em ouro. Nada consegue mastigar de tão duro se torna. Um copo de água ou de vinho, mesmo que convertido em sangue de Cristo, escorria pela goela como ouro líquido. Uma pobre velhota implorando uma bênção à procura de um milagre dos céus, viu as ricas mãos ao tocar-lhe intencionalmente e tornou os seus andrajos em peças ricamente douradas, ficou totalmente nua, porque pobres não têm direito a ouro. Dizem que até uma vara de porcos, rebanhos de ovelhas e vacas, viraram ouro sobre azul para encher os bolsos esfomeados da prata.
A assaz insensatez não se deu conta que a partir disto nunca mais come nem bebe. Nada é mais vil que o metal, reza a sabedoria intemporal e como Freud sentenciou: «o dinheiro é o excremento humano». A crua verdade da desgraça dos povos dirigidos por gananciosos sem escrúpulos, embevecidos pelo excesso.
Mas, ao fim de uma longa quaresma a tocar em tudo e a ver tudo ser ouro, entristeceu-se e mergulhado na solidão e abandono, voltou ao chefe a pedi-lhe que o livre desta sorte trágica, porque morre de fome e mal consegue segurar pés e mãos, mesmo que sendo que tão ricos, perderam o vigor domadas pela fome e pela sede.
O benévolo chefe acatou o pedido, deu-lhe uma reprimenda pela sua desmedida ganância e determinou, «água benta desfaz esse dom, lava-te dos pés à cabeça na pia da água benta, mergulha aí tudo o que tocaste e tudo volta à existência natural».
O párvulo voltou contente ao seu posto e fez como havia dito o chefe. Mas, reza a crónica deste mito que nas cabeças de meninas fervilhavam um resto de ouro que o mistério do excesso, previu ser inconvertível. E sendo ouro verdadeiro levou sumiço, semeando confusão e enredo melhor do que uma novela ficcionada tirada de uma fértil e profícua inteligência.
Conclusão, é possível pregar contra os males do excesso e apontar os incontáveis exemplos dos efeitos da corrupção da riqueza e do poder como lição - Luiz XIV, Henrique VIII - mas isso não fará com que as pessoas parem de desejar ardentemente riqueza, poder, beleza, dinheiro, fama e tudo em alta demasia (ou excesso mesmo que muitas vezes não seja possível).
Midas da ancestralidade e dos tempos de hoje por fim confidenciaram, «somos divinos, não cedemos ao excesso, mas veneramos as investidas da nossa amada».
Manuel Barros
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