Suas Excelências, os Jardineiros da Realpolitik



Ex.ma Senhora Presidente da Câmara do Funchal, Cristina Pedra,
Ex.mo Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque,

A ntes de mais, um grande bem-haja pela mais recente demonstração de genialidade estratégica: fechar um jardim público. De facto, não sei como é que ninguém pensou nisso antes. A humanidade há séculos que se debate com problemas como o consumo de drogas e o acolhimento de pessoas em situação de sem-abrigo, mas só agora, graças ao vosso rasgo iluminado, é que percebemos a solução fechar os espaços públicos.

A ideia de que encerrar um Jardim público, um espaço de todos nós, onde cabem crianças, reformados, famílias, turistas, artistas de rua e até um ou outro pombo mais ambicioso, vai resolver o drama do consumo de substâncias ou da falta de habitação... é de uma ignorância. O problema, caros presidentes, não está no acesso ao jardim. Está na realidade social que os vossos gabinetes parecem ver só pela janela do carro oficial.

Vamos ao básico:

Fechar um jardim não tira ninguém da rua. Só muda o cenário. Em vez de bancos de jardim, teremos escadarias de prédios, parques de estacionamento e abrigos improvisados em vãos de escada. Se o vosso objetivo é que as pessoas em dificuldades fiquem "invisíveis", talvez o próximo passo seja distribuir capas da invisibilidade do Harry Potter. Porque soluções verdadeiras, dessas, nem vê-las.

Mas como estamos em maré de ideias (e boas, ao contrário das vossas), aqui ficam algumas sugestões que podem mesmo ajudar:

  1. Criar uma Comunidade Terapêutica Regional, com acompanhamento psicológico, apoio médico e reinserção profissional. Porque tratar o vício é mais eficaz que varrê-lo para debaixo do tapete urbano.
  2. Desenvolver programas de habitação social com dignidade, não contentores ou dormitórios improvisados. Casas. Com portas, camas e a tal "esperança no futuro" que os discursos políticos tanto gostam de citar.
  3. Implementar equipas de rua multidisciplinares, que abordem com humanidade e consistência quem vive nas margens da sociedade — ao invés de os perseguir como se fossem gaivotas em dia de vendaval.
  4. Envolver associações locais que continuam a ser quem realmente põe as mãos na terra. Literalmente ajudam as pessoas a encontrar um projecto profissional de reintegraçao na sociedade. Já que os senhores preferem regar relvados de golf em vez de regar políticas sociais.

Portanto, minhas excelências, em vez de fecharem o jardim, experimentem abrir os olhos. E, quem sabe, abrir também o coração, não apenas para as fotografias com medalhas e inaugurações, mas para os seres humanos que vivem, respiram (e sofrem) nesta ilha.

O jardim é nosso. As pessoas também. Os consumidores de droga e os sem abrigo também.

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