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19 de novembro de 2013, a demolição do edifício da cadeia civil do Funchal. |
Quando a Arquitetura Esquece o Clima
N a Madeira, uma ilha outrora conhecida pelo seu equilíbrio climático, com invernos suaves e verões frescos graças à sua geografia e vegetação abundante, estamos a assistir a um fenómeno preocupante: a ascensão de edifícios negros, imponentes blocos de betão que parecem saídos de um catálogo de Dubai ou de uma distopia futurista mal estudada. Um exemplo flagrante é o edifício SEC XXI, mas não é caso único, há toda uma nova vaga de construções onde o negro domina a fachada como se a função estética fosse mais importante do que a sustentabilidade ou o conforto térmico.
Construir edifícios pretos numa ilha que já hoje sente o impacto das alterações climáticas, com verões cada vez mais longos e ondas de calor cada vez mais frequentes, é, no mínimo, irresponsável. O preto, como qualquer arquiteto de primeiro ano sabe, absorve calor. Num clima em aquecimento acelerado, isso traduz-se numa dependência constante de ar condicionado, com os devidos encargos energéticos e ambientais. E isto numa região onde se deveria estar a reduzir, e não a aumentar, a pegada de carbono.
É aqui que a crítica se impõe, não só aos arquitetos que concebem estes edifícios como se estivessem a projetar para o deserto árabe, mas também aos presidentes de câmara e técnicos municipais que aprovam estas aberrações sem pestanejar. Onde está a visão estratégica? Onde está o planeamento sustentável? Ou será que basta usar palavras como “moderno” e “sofisticado” nos dossiês de apresentação para que tudo passe?
O problema não é apenas estético, embora seja de lamentar a descaracterização urbana que estas construções trazem. É sobretudo funcional e ambiental. A arquitetura deve responder ao lugar, ao clima, à comunidade. Um edifício que transforma a sua envolvente numa fornalha urbana, que ignora o albedo natural das superfícies claras, que precisa de sistemas artificiais para manter uma temperatura minimamente habitável, é um edifício mal pensado. E um edifício mal pensado, quando aprovado, torna-se um erro coletivo.
A Madeira, como todas as ilhas atlânticas, terá de lidar nas próximas décadas com um cenário climático mais extremo, mais seco e mais quente. Uma estação única, o verão, poderá ser a nova normalidade. Continuar a construir como se estivéssemos em Estocolmo ou Doha é um erro técnico, político e ético.
É tempo de exigir mais dos nossos arquitetos. E é urgente que os decisores políticos compreendam que aprovar um edifício não é um ato neutro. É um ato com consequências climáticas, sociais e urbanas. A paisagem que hoje desenhamos será o clima em que viveremos amanhã.
Já não se projeta para o clima, nem para as pessoas, projeta-se para a fotografia do Instagram e para o aplauso fácil em eventos de “inovação urbana”.
Mas deixem-me ser justo: talvez estejam todos a preparar-se para um futuro Mad Max madeirense, onde a ilha será uma grelha constante e os edifícios negros funcionarão como fornos solares de luxo.
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