Ex.mo Senhor Secretário Regional do Turismo e Cultura, Dr. Eduardo Jesus,
P erdoar-me-á a ousadia da palavra — ou talvez não — mas há ocasiões em que o silêncio conivente se torna ainda mais indecoroso do que a grosseria proferida. Não posso, por isso, deixar de lhe dirigir esta pequena missiva, que visa mais instruir do que insultar.
Na nobre sala da Assembleia Legislativa da Madeira, onde se supõe que a elevação do debate seja proporcional à dignidade do cargo, V. Ex.ª teve o raro arrojo de se referir a uma deputada eleita com a expressão, cito, “Qual foi a pergunta desta gaja?” — assim mesmo, com o verbo torto e o pronome colado ao desprezo.
Ora, Sr. Secretário, se me permite um breve apontamento de etiqueta institucional, a palavra “gaja” não figura, ao que conste, no Regimento da Assembleia, nem tampouco na Constituição, a não ser como exemplo de como não nos devemos dirigir a representantes eleitos numa democracia. A não ser, claro, que V. Ex.ª julgue que o Parlamento é uma esplanada de cervejolas ao fim da tarde, onde se comenta a bola e se graceja sobre as “gajas” do bairro. Nesse caso, compreende-se o lapso — ainda que não se perdoe.
Poder-se-ia argumentar que se tratou de um deslize, um momento de cansaço, uma infeliz tentativa de humor involuntário. Mas veja, Sr. Secretário, que os deslizes costumam revelar mais da alma do que os discursos preparados. E quando o machismo se manifesta de forma tão espontânea, tão orgânica, tão natural… talvez devêssemos questionar se não será, afinal, estrutural.
Não se trata apenas de respeito pela deputada em questão, a Sra. Sílvia Silva — que, por sinal, merece tanto respeito quanto qualquer outro parlamentar, independentemente do género, do partido ou da pertinência das suas questões. Trata-se do respeito pela própria instituição que V. Ex.ª representa. Um respeito que, diga-se, não se veste apenas com fato e gravata, mas com compostura, elevação e, idealmente, uma certa contenção verbal.
No futuro, sugiro — e aqui entro na parte educativa desta carta — que antes de se referir a uma deputada como “gaja”, experimente substituí-la por “Sr.ª Deputada” ou, caso queira inovar, “colega parlamentar”. Soa menos taberneiro, e garanto-lhe, melhora substancialmente o ambiente democrático.
Com votos de mais contenção,
Subscrevo-me com a devida consideração,
Um cidadão atento (e já um bocadinho farto).
Nota do CM: Autor, é interessante perceber que pela cabeça da senhora deputada há a ideia de que "Indignamo-nos, e bem, contra anónimos que incitam à violência!" (link). A ALRAM é um lugar que nos deixa baralhados.
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