O Padre Martins da Ribeira Seca faleceu aos 87 anos. A sua vida foi marcada pelo sacerdócio, mas também por um notável, e por vezes conturbado, percurso político e de disputas com a hierarquia episcopal. Nasceu em Machico, a 16 de novembro de 1938, foi ordenado padre em 1962, a 15 de agosto e, em 1969, tornou-se pároco da Ribeira Seca, onde permaneceu por mais de cinco décadas. Foi professor em diversas escolas madeirenses e teve funções de Capelão em Moçambique (1967–1969), na Guerra do Ultramar.
Depois do 25 de Abril de 1974, a sua ação na Madeira ganhou notoriedade pela sua forte componente política e de intervenção social. O Padre Martins foi uma figura central na defesa dos direitos do povo da Madeira, especialmente da sua comunidade, junto dos agricultores e camponeses da Madeira, posicionando-se contra a guerra colonial e por reformas sociais, na Ribeira Seca, em tempos considerados de opressão
A sua atuação política, em defesa da democracia, levou-o a ter um papel ativo na vida pública regional, chegando a ser deputado na Assembleia Legislativa da Madeira (representando a UDP e o PS) e foi presidente da Câmara Municipal de Machico entre 1989 a 1997
O ativismo político e social colocou-o em rota de colisão com a Igreja Católica. Em 1977, foi-lhe aplicada uma "suspensão a divinis" pelo então Bispo do Funchal, D. Francisco Santana, sob a alegação de que a sua atividade política era contrária às orientações católicas (normas canónicas). Esta suspensão impedia-o de exercer determinadas funções sacerdotais, como celebrar missas e ministrar sacramentos. A pena foi reconfirmada em 1985 por D. Teodoro de Faria, sucessor de D. Francisco Santana.
Apesar da suspensão formal, o Padre Martins Júnior manteve-se uma figura de referência para a comunidade da Ribeira Seca, continuando a ser visto como o seu pároco. A população da Ribeira Seca chegou a impedir tentativas de expulsão da paróquia, com o apoio policial, em 1974. Em 1985, 40 polícias cercaram o templo durante três semanas, mas o Padre Martins continuou "evangelizando" fora da igreja. Mesmo suspenso, manteve celebrações ao ar livre e seus paroquianos deram-lhe total apoio, protegendo a igreja, inclusivamente com protestos populares e ocupações
O diferendo entre o Padre Martins e a Diocese do Funchal arrastou-se por mais de 40 anos, fazendo "correr muita tinta". Em 2019, o novo Bispo do Funchal, D. Nuno Brás, revogou a suspensão "a divinis", nomeando-o administrador paroquial da Ribeira Seca, numa decisão que pôs fim a um longo conflito. O bispo devolveu formalmente a sua comunhão com missa solene e procissão .
Em fevereiro de 2023, fez sua última missa como pároco, encerrando 53 anos de serviço religioso local.
Ao longo da sua vida, o Padre Martins foi reconhecido pela sua luta em defesa da democracia e do povo madeirense. A sua vida e obra inspiraram o romance biográfico "O Canto do Melro" (2024), de Raquel Varela e, em maio de 2025, foi publicado o livro "Padre Martins Júnior" pela editora Cadmus.
Martins Júnior foi autor e músico, liderou iniciativas culturais e publicou CDs como “Machico, Terra de Abril” (2004), “Viva a Vida!” (2008) e “Terra da Minha Saudade” (2012). Foi fundador de grupos folclóricos e tunas, promoveu a música tradicional madeirense. Em 2022, o encontro de bandolins de Machico passou a ostentar o seu nome.
O Padre José Martins Júnior é uma figura singular e carismática na história da Madeira. Com uma vida marcada por coragem civil, fé profunda e dedicação cultural, desafiou normas instituídas, mesmo sob suspensão e oposição, e permaneceu fiel à sua comunidade. A sua trajetória política, pastoral e humana transformou o pároco da Ribeira Seca num símbolo de resistência, emancipação e identidade coletiva.
Foi condecorado com a Ordem da Liberdade, a 10 de junho de 1995, por Mário Soares.
Descanse em paz Martins Júnior.
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