Viagem grande, ausência Pequena...


Um diretor Que Não Vai a Lado Nenhum

Há ausências que dizem tudo. E há presenças que dizem demais.

E nquanto a comitiva governamental madeirense aterrava em New Bedford — com o vinho do IVBAM, os bordados, o sorriso oficial e a bênção institucional — alguém ficava para trás. Não por falha de comunicação. Não por questões logísticas. Não por modéstia. Ficava porque não era suposto ir.

A Festa do Santíssimo Sacramento, nos Estados Unidos, é o maior evento de expressão portuguesa fora do território nacional. Mais de 350 mil pessoas. Uma multidão. Um mar de emigrantes. Um cenário ideal para bandeiras, flashs, discursos de saudade e palavras como “identidade” e “valores”.

Mas, entre tantos enviados especiais, há uma ausência particularmente ruidosa: o Diretor Regional das Comunidades.

Sim, esse mesmo. O tal que nos últimos anos é chamado sempre que há um avião da Venezuela a aterrar. O tal que aparece com pastas, protocolos, palmadinhas nas costas e promessas de integração. O tal que coordena todo o processo logístico e emocional de quem regressa — e, claro, de quem vota.

Porque há uma verdade inconveniente neste jogo diplomático regional: os venezuelanos que chegam servem para votar.

Servem para reforçar os números do boletim.
Servem para alimentar a máquina.
Servem para garantir que, no fim, se diz que o povo está com Albuquerque.

Mas quando se trata de viajar, representar, subir ao altar simbólico da diáspora, esse mesmo Diretor já não serve.

Aparecem os secretários.
Aparecem os presidentes dos institutos.
Aparecem os técnicos e os gestores de vinho.
Mas o responsável direto pelas comunidades emigrantes, esse, fica fora da moldura.
Como se tivesse utilidade apenas interna.
Como se fosse um auxiliar de bastidor, sem direito à ribalta.

Nem o trabalho de campo, nem a lealdade funcional, nem a entrega institucional ao projeto são suficientes para justificar um lugar no avião.

Não é preciso que ele diga.
Não é preciso que ele escreva.
Mas toda a Madeira percebe.

A estrutura governativa regional é feita à imagem de quem a comanda. Miguel Albuquerque escolhe os seus protagonistas com o rigor de um realizador narcisista. Uns são colocados no centro da cena. Outros são mantidos nas sombras, mesmo quando o enredo lhes diz respeito.

O responsável pelas comunidades, que gere dossiers complexos, que conhece os rostos e os nomes, que responde aos dramas da emigração com fichas e soluções, não é chamado quando há palco. É útil para gerir. Nunca para representar. É essencial para garantir votos. Nunca para erguer taças.

A Madeira política tem destas ironias.
Uns constroem. Outros aparecem.
Uns carregam. Outros pousam para a fotografia.

E o que dizer do próprio?
O que sentirá quem se dá tanto e vê tão pouco?
Quem organiza todas as pontes, mas nunca é convidado a atravessá-las?
Quem trata dos que voltam, mas nunca acompanha os que partem?

Não há indignação pública. Não há comunicado.
Mas há um silêncio denso que atravessa gabinetes.
Há olhares que evitam a questão.
Há um mal-estar que ninguém nomeia, mas todos reconhecem.

A grande viagem a New Bedford serve para projetar a Madeira.
Para reforçar a imagem de prestígio, orgulho e pertença.
Mas também serve, como todas as viagens, para revelar quem fica para trás.

E neste caso, fica claro:
Há quem sirva para trabalhar.
E há quem sirva para aparecer.

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