A democracia da aparência


Um manifesto de quem perdeu, mas nunca se rendeu

Artigo de Opinião – Madeira, 2025

P or vezes, os verdadeiros vencedores das eleições são precisamente aqueles que não foram eleitos. Os que perderam sem ceder. Aqueles que mantêm a integridade enquanto outros distribuem promessas como se fossem bênçãos. Eis a crónica de um candidato que não conquistou votos suficientes, mas que, com lucidez e coragem, desafia os fundamentos de uma democracia cada vez mais estética e menos ética.

Quero agradecer, sinceramente, a todos os eleitores do meu concelho concelhio, esse território periférico e peculiar da nossa democracia insular, que, em plena liberdade, decidiram NÃO VOTAR EM MIM.

Não votaram em mim por razões que pouco têm a ver com programas, ideologias ou debates. Não votaram em mim porque sou pobre. Porque sou solteiro. Porque não sou “popular”. Porque não sou submisso. Porque não cumpro os padrões do político domesticado, domesticável e domesticador.

Não votaram em mim porque, ao contrário de outros, não ataquei adversários, não recorri à bruxaria eleitoral nem à ilusão em forma de promessa. Falei de propostas — daquelas coisas aborrecidas que não cabem em soundbites. Falei de mobilidade, de justiça social, de acesso à habitação, de transparência, de descentralização real. Mas os eleitores não queriam isso. Queriam milagre. E o milagre foi eleito.

Na prática, o que vimos foi uma eleição ao estilo de uma democracia plebiscitária, onde o carisma suplanta a substância, onde a imagem suplanta a ideia, onde o culto da personalidade vence o pensamento crítico. Esta não é uma crítica amarga. É uma análise racional baseada em décadas de estudos de comportamento eleitoral: quando o eleitor vota com base na aparência, na simpatia ou na ostentação, não está a exercer um direito informado — está a consumir um produto político.

Vejamos o caso clássico da chamada “democracia iliberal”, conceito popularizado por Fareed Zakaria. Este descreve regimes onde se realizam eleições, mas onde a competição política está envenenada por desigualdades estruturais, desinformação e manipulação emocional. Ora, o que aconteceu no nosso concelho? Um candidato foi eleito porque ofereceu tudo, prometeu tudo, disse o que o povo queria ouvir, sem nunca dizer como. Um populismo municipal, mas não menos eficaz.

Ao contrário do eleito — que vos garantiu resolver todos os vossos problemas, pagar as vossas contas, dar emprego aos vossos filhos, curar os vossos males e, quem sabe, livrar-vos dos vossos pecados — eu falei-vos com verdade. Disse-vos que a política não é mágica, que não há salvadores, que a mudança exige esforço colectivo, sacrifício e tempo. Mas, claro, esta narrativa é pouco vendável. Não faz milagres, não embriaga.

A minha não era uma campanha populista. Era uma campanha racional.

Mas a democracia também é isto: escolher o ilusionista em vez do engenheiro. Preferir o profeta ao gestor. E depois? Depois, vêm os quatro anos de frustração, de promessas esquecidas, de silêncio administrativo. E aí, talvez, surja uma oportunidade: a de aprender com o erro.

Este episódio obriga-nos a reflectir sobre o estado da política local e nacional. O desencanto com a política tradicional gerou espaço para o oportunismo carismático. Um fenómeno já estudado no contexto do sul da Europa, onde, em períodos de crise ou estagnação, o eleitor tende a votar “contra” — contra o sistema, contra os partidos, contra os vizinhos, contra si próprio.

E é neste vazio emocional que nascem os “salvadores” — políticos com discurso messiânico, tom paternalista e promessas irreais. A sua linguagem é hiperbólica, apelando ao medo e à fé: “Só eu vos posso salvar!” Não é nova. É uma estratégia de dominação simbólica: transferem-se as esperanças de um povo cansado para as mãos de um líder encantador, mas vazio de substância.

Ora, não se constrói futuro com retórica vazia. E é por isso que escrevo este texto — não como um derrotado, mas como um resistente. A democracia precisa de candidatos incómodos, de vozes dissonantes, de propostas que não sejam apenas slogans. Não fui eleito, mas não serei silenciado.

Tu, eleitor, escolheste o teu candidato como quem escolhe um santo padroeiro. E agora esperas milagres. Boa sorte. Que te cure a tosse, pague a renda, traga um emprego sonante e ainda te ofereça um carro de luxo e uma casa com piscina. Que te salve da crise, da dívida e da frustração existencial. Que te eleve, não por mérito, mas por magia.

Mas se em 2029 voltares a estar no mesmo lugar, com os mesmos problemas — ou piores — talvez te recordes de mim, o mal-amado, o malvisto, o que não agradava às elites, o que não sorria nas fotos, mas que tinha um plano, um programa, uma visão.

E quando esse dia chegar, estarei pronto. Porque perder uma eleição não é perder a razão. E neste tempo em que os discursos são embrulhados como publicidade e os políticos se comportam como influencers, talvez o maior ato revolucionário seja dizer a verdade.

E eu, com orgulho, fui o único que o fez.