H á decisões políticas que desafiam o bom senso, a lógica técnica e o respeito pelas competências profissionais. A mais recente vem da Câmara Municipal do Funchal e tem um nome: o mistério dos pelouros de Jorge Carvalho.
No novo organograma do executivo, as pastas das Obras Públicas, Águas e Esgotos e Trânsito foram entregues ao vice-presidente Carlos Rodrigues, que é o número dois de Jorge Carvalho.
O problema é evidente: Carlos Rodrigues não é engenheiro.
E é aqui que começa a estranheza.
No mesmo executivo está o professor doutor Paulo Lobo, engenheiro civil, docente da Universidade da Madeira e membro acreditado da Ordem dos Engenheiros, com especialização justamente nas áreas de Infraestruturas, Obras Públicas e Saneamento.
Ora, se há um engenheiro civil doutorado na vereação, com experiência e competência técnica reconhecida, porque razão as Obras Públicas e as Águas e Esgotos não lhe foram atribuídas?
A escolha levanta perplexidade entre técnicos, académicos e até entre militantes do PSD, partido que apresentou Paulo Lobo como a grande aposta técnica e símbolo de competência do executivo.
Em vez de lhe serem confiadas as áreas da sua especialidade, o vereador ficou com o Urbanismo — um pelouro relevante, mas distinto da sua formação e experiência profissional.
A questão é, portanto, mais do que simbólica: é estrutural.
O Funchal é uma cidade onde as infraestruturas, o saneamento e o trânsito exigem decisões tecnicamente sustentadas.
Ao entregar essas áreas a um político sem formação em engenharia, o executivo liderado por Jorge Carvalho corre o risco de comprometer a coerência técnica e a credibilidade institucional da Câmara.
A Ordem dos Engenheiros não pode ignorar o assunto.
Cabe-lhe zelar pelo prestígio da profissão e pela adequada aplicação das competências técnicas em funções públicas.
Quando áreas estruturantes como obras públicas e saneamento são atribuídas a quem não possui formação no setor, há um problema de critério — e esse problema deve ser discutido publicamente.
Não se trata de uma questão partidária, mas de respeito pela técnica e pela qualificação profissional.
Num tempo em que se apela à meritocracia e à valorização do conhecimento, é contraditório ver um engenheiro civil doutorado preterido precisamente nas áreas em que é especialista.
A decisão de Jorge Carvalho e Carlos Rodrigues parece ter sido ditada por fatores políticos e não técnicos.
As obras públicas são, tradicionalmente, o pelouro mais sensível e estratégico de qualquer autarquia — controlam investimentos, contratos e visibilidade.
Ao concentrar essa pasta na vice-presidência, o poder político prevaleceu sobre a lógica da competência.
O resultado é uma Câmara onde a engenharia ficou sem engenheiro.
E uma cidade que, mais do que política, precisa de rigor técnico e visão estrutural.
Até ao momento, nem a Câmara Municipal nem a Ordem dos Engenheiros prestaram qualquer esclarecimento.
O silêncio, contudo, fala por si.
Enquanto ninguém explicar os critérios desta atribuição, continuará a pairar a sensação de que há algo por esclarecer — e que, no Funchal, as Obras Públicas foram entregues à política e retiradas à engenharia.
O caso é simples, mas grave:
Há um engenheiro civil doutorado na vereação e as Obras Públicas estão nas mãos de quem não é engenheiro.
E enquanto a Câmara não justificar esta decisão, o mistério dos pelouros de Jorge Carvalho permanecerá como símbolo de uma opção errada — técnica, ética e politicamente.