N estas últimas semanas começamos a perceber um pouco mais sobre o crescimento do CHEGA. A perceção da ligação entre Pedro Passos Coelho e o crescimento do CHEGA, bem como a subsequente aceitação do partido na esfera da direita governativa, é um dos temas mais comentados e divisivos da política portuguesa recente. Este "namoro" não é um romance explícito, mas sim uma aproximação tática e ideológica que se desenvolveu em três fases principais: a fuga de quadros, a validação ideológica e o apelo à responsabilidade governativa.
Passos Coelho é um extremista dissimulado? Aquela insensibilidade social ainda vai se compondo.
O embrião desta relação reside na base de recrutamento do CHEGA. Embora André Ventura tenha saído da JSD/PSD antes de fundar o seu partido, a sua ascensão coincidiu com um movimento de descontentamento dentro da ala mais conservadora, liberal e identitária do PSD, grande parte da qual se identificava com a liderança de Pedro Passos Coelho. O legado de Passos, centrado no rigor orçamental, nas críticas ao Estado Social e numa visão mais tradicional da sociedade, foi visto por muitos como "traído" ou "diluído" nas lideranças subsequentes do PSD (especialmente sob Rui Rio). Aqui dá-se a fuga de quadros da ala ideológica "Passista" no seio do PSD.
O CHEGA, ao assumir um discurso ultraconservador em matérias sociais (família, identidade, segurança, imigração) e ao adotar uma retórica de combate à corrupção e ao "sistema", atraiu quadros e ex-deputados do PSD. Um exemplo notório é a inclusão de um ex-Secretário de Estado do Governo de Passos Coelho nas listas do CHEGA para as eleições europeias, bem como a de outros ex-deputados e militantes. Este trânsito de figuras não é apenas uma migração individual, mas um sinal de que o CHEGA conseguiu capturar a base ideológica e militante que se sentia órfã dentro do PSD, alavancada pelo capital político e discursivo de Passos Coelho. Que só agora deixa transparecer pela necessidade de reunir forças, e começa o namoro...
O ponto de viragem no "namoro" deu-se com o regresso de Passos Coelho ao espaço público e as suas declarações em eventos de campanha. Passos, embora se mantendo formalmente no PSD e afastado da liderança, tem sido consistentemente ambíguo ou abertamente conciliador em relação ao CHEGA. Em vez de erguer a "linha vermelha" do PSD contra o partido de Ventura, Passos tem defendido que não se deve ter medo da diluição ideológica no espaço não-socialista, e que o importante é construir uma alternativa ao PS. Isto não é mais do que a validação ideológica e o "pôr os olhos no chega"
O momento mais emblemático ocorreu durante a campanha para as Eleições Legislativas de 2024, quando Passos Coelho abordou temas caros ao CHEGA, como a segurança ligada à imigração e o combate às "ideologias de género" nas escolas. André Ventura não demorou a reagir, interpretando essas declarações como um sinal: "O que Passos Coelho disse foi 'ponham os olhos no Chega'". Esta validação, vinda de uma figura com "grande autoridade moral" na direita, foi um endosso crucial que:
- Legitimou os temas do CHEGA dentro do espaço do PSD, forçando-o a mover-se para a direita.
- Fragilizou a posição do líder do PSD, Luís Montenegro, que mantinha uma "linha vermelha" mais rígida.
O ápice desta aproximação é a aceitação da inevitabilidade de o CHEGA ser um parceiro governativo. Passos Coelho tem reiterado a ideia de que o momento exige que o espaço não-socialista tenha "a consciência e a responsabilidade" de construir uma alternativa de governo. Esta formulação sutil é lida como um apelo direto ao PSD para abandonar a "linha vermelha" e negociar com o CHEGA, reconhecendo-o como uma força política legítima e necessária para a governabilidade. Passos torna-se um extremista que finalmente sai da penumbra para apelar à consciência e a fim da linha vermelha.
Passos Coelho continua perigoso como sempre.
O facto de Passos Coelho ter apresentado um livro com autores que partilham posições ultraconservadoras, alinhadas com o CHEGA, reforçou a perceção de que o antigo Primeiro-Ministro está a funcionar como um mentor ideológico e um facilitador político da extrema-direita em Portugal. Este "namoro" permite a Ventura reclamar que o CHEGA é o verdadeiro herdeiro das ideias de Passos Coelho, pressionando o PSD a aceitar o parceiro, e concretizando a sua aceitação no arco do poder, algo que se verifica agora nos Açores e na Madeira. Em suma, Passos Coelho tem fornecido, não a liderança, mas a legitimação ideológica e a pressão moral para que a direita tradicional aceite a sua nova realidade.
Cuidado com os extremistas dissimulados no seio do sistema que o querem implodir. Traidores do regime.