Justiça, memória e a covardia do silêncio


Com tanta gente que entra na Madeira, ainda somos cantinho do céu?

H á actos que não admitem relativização. O ataque terrorista vil e anti-semita ocorrido em Bondi Beach exige repúdio inequívoco. Não por cálculo político, mas por decência. Comunidades judaicas têm o direito pleno de viver, celebrar e existir em segurança — incluindo celebrar o Hanukkah — sem intimidação, sem ódio, sem medo. Terrorismo é terrorismo, seja qual for a bandeira. Hamas e Estado Islâmico partilham a mesma gramática moral: a da violência fria, indiscriminada e sem piedade.

Convém, então, perguntar: quando a condenação se torna selectiva, o que resta da justiça? A história europeia responde com dureza. A expulsão dos judeus não foi um episódio isolado, mas um padrão recorrente. No final do século XV, Espanha (1492) e Portugal (1496) optaram pela exclusão, pela conversão forçada, pelo exílio. Séculos depois, a Europa voltou a falhar de forma absoluta: entre 1933 e 1945, seis milhões de judeus foram assassinados num projecto industrial de aniquilação. A memória não é ornamento; é critério.

Hoje, quando decisões políticas e culturais — como retiradas simbólicas de eventos internacionais — são percebidas como punições colectivas, a pergunta impõe-se: aprendemos alguma coisa? A justiça não se mede pelo ruído, mas pela proporção. O poder que abdica da distinção entre governos e povos troca ética por espectáculo.

A Europa conhece bem o preço da complacência. Madrid (2004), Londres (2005), Paris (2015), Bruxelas (2016), Nice (2016), Berlim (2016), Manchester (2017), Barcelona (2017), Viena (2020). Nomes, datas, mortos. O terrorismo jihadista não é abstração académica; é uma ameaça concreta, persistente, documentada. Em 2024, a União Europeia voltou a registar dezenas de ataques. A realidade insiste.

Portugal mantém relações diplomáticas com Israel desde 1977, assentes em cooperação científica, cultural e histórica. Essa relação não impede crítica política — nomeadamente sobre Gaza — mas exige rigor moral. Criticar políticas não autoriza alimentar preconceitos. Confundir Estados com povos é o atalho clássico da injustiça.

Justiça verdadeira é equilíbrio: restringe o poder antes de restringir pessoas; distingue responsabilidade de identidade; protege os vulneráveis sem ceder ao ódio. Israel e as comunidades judaicas não são inimigos abstractos. São aliados humanos. Persistir no anti-semitismo, explícito ou disfarçado, não é coragem política. É falência ética.