As cruzes do Porto da Cruz e a hipocrisia das gentes.


F ui ensinada desde pequena na religião cristã católica Apostólica Romana, e sempre que entrava na igreja a minha mãe metia-me a mão direita à cabeça para fazer o sinal da cruz, sempre atenta na minha educação religiosa. “Ouvir o que o Sr. Padre lê e diz” foi um ensinamento que foi perdurando e, com o passar dos anos, fui dando cada vez mais importância ao primeiro verbo (lê) e menos ao segundo (diz). E tem uma explicação: se, em outros tempos, o povo precisava de “tradução por miúdos” dos textos bíblicos, hoje em dia com um índice de literacia mais elevado e com os textos em português fica mais fácil entender e meditar sobre A Palavra, sem precisarmos da interpretação do sacerdote. No entanto, é de reconhecer que os padres têm na sua formação as ferramentas para evidenciar cada mensagem de cada leitura e Evangelho, procurando levar o fio condutor da reflexão da melhor forma possível… uns com mais jeito do que outros. Até aqui, estamos de acordo?

O que até há bem pouco tempo se passou no Porto da Cruz foi a presença de um sacerdote que, pelas suas convicções e traços de personalidade antagonizou muita gente, e parece que ofendeu desde políticos a catequistas, membros de movimentos da paróquia e a população em geral. Um sacerdote que lá esteve cerca de 25 anos e, fazendo o que fez, desempenhou o seu papel em plena consciência e tomou a decisão de sair (e retirar-se da prática paroquial) na altura em que a sua saúde o impossibilitava de continuar a responder ao chamamento de servir e evangelizar o povo. 

Este sacerdote não teve um percurso fácil e, ao longo de 25 anos foi moldando os hábitos de uma paróquia com tradições bem vincadas na localidade. Muita gente não consegue perdoar:

  • a alteração arquitetónica da Igreja Paroquial, mudando a cor interior do fundo da Capela Mor de azul celeste para branco, e tapando o padrão de vitrais em cruz, presente nesta parede; mereceu comentário negativo do autor da obra Raúl Chorão Ramalho;
  • a redução e extinção de várias atividades culturais e convívios locais pelos sítios, vulgo “arrematações”, no Tempo Pascal;
  • o desleixe na atenção ao grupo de escoteiros e grupo de jovens, levando à sua extinção;
  • a desarticulação com os catequistas, onde imperou maioritariamente a sua vontade; a resistência ao diálogo e à aceitação de ideias inovadoras;
  • a intervenção na autonomia das confrarias através de uma gestão quase rígida, muitas vezes manipulando a vontade das respetivas direções;
  • a parcialidade política, sem nunca ser óbvia, mas completamente embutida nas suas reflexões durante as celebrações;

… e muitas coisas mais. Mas são principalmente estas de que o povo agora fala, como se antes estivesse oprimido pela presença imponente deste sacerdote. No entanto, tenho de ser humana e reconhecer que nem tudo foram falhas, e há que realçar:

  • a obra feita, tanto na Igreja Paroquial e instalações adjacentes como nas capelas, através de restauros vários, motivados pela exposição aos elementos;
  • o sentido de compromisso e responsabilidade que, em 25 anos, poucas ou nenhumas vezes este sacerdote faltou à sua palavra;
  • a transparência com que revelava todas as contas, gastos, ofertas e somatórios, de forma periódica;

… e enfim, este sacerdote é humano e, tal como eu que não sou perfeita, este tem também as suas falhas e as suas valências.

Mas desenganem-se se vos escrevo este texto com o intuito de, em bom madeirense “descascar em cima do padre”! Porque, se a Igreja em 25 anos foi ficando mais vazia, foi porque as pessoas passaram a valorizar muito mais “o que o Sr. Padre diz” e menos “o que o Sr. Padre lê”. Muitos dos que tanto “apontam o dedo” a isto e aquilo, são dos que raramente vão à Igreja, e quando vão, é para celebrar o Natal e para se mostrarem na procissão do Enterro do Senhor. Para vós, a única palavra que merecem é: HIPÓCRITAS! E mesmo uma parte dos que ainda vão às celebrações na Igreja, são hipócritas na mesma. Sabem “a reza” de cor e são bonecos que vão recitando o que já repetiram durante anos, mesmo sem pensar no que dizem. Mas vá, que julgo que este problema é geral e não só do Porto da Cruz.

Se meditassem mais nas Escrituras, e menos nas cruzes, todos seríamos melhores irmãos na cristandade. Diz-se que este sacerdote, em homilia pela última vez no Porto da Cruz, proferiu as “santas” palavras:

“- Quem manda na Igreja é o sacerdote!” – e, por muito que não concorde com esta sua visão, pois a Igreja é feita de povo e os ministros são somente servos do povo e delegados de Roma, atribuo a responsabilidade ao povo por este sacerdote ter a ousadia de ter uma afirmação destas. Se a população se manifestasse cordialmente, em vez de atirar pedras, tudo seria diferente. É mais fácil chamar a comunicação social, dá mais polémica e, normalmente, quando há um acidente, um incêndio ou uma boa bilhardice, o povo gosta de ver e não arreda pé.

Os críticos de bancada, à distância, dizem alhos e bugalhos, fazendo valer as suas ideologias mas, sendo à distância, “cantam mas não alegram ninguém”. Podem vir com publicações como esta: 

mas, se não põem os pés na Igreja, valem tanto como a poeira do deserto: são apenas mais um grão e são tão pequeninos... Por outro lado, o povo [oprimido] que ainda vai à igreja considera sacrilégio discordar do sacerdote, pois é pecado e corre-se o risco de perder um lugar no céu. Estou a ficar irónica demais? Se calhar.

Ligo a televisão, olho as notícias do Irão: o povo ganha força na adversidade e, UNIDO, protesta contra um regime autoritário. Não estão em casa no Facebook a preparar a publicação bombástica e a disparar contra este e aquele: estão lá, a apontar o dedo e a pedir satisfações na rua, diretamente contra os opositores.

Portanto, encham as vossas cabecinhas de água fria, limpem os vossos egos inchados de orgulho, parem de “bater no ceguinho” e sejam verdadeiros. É tempo de Natal, criem pontes em vez de as destruir. Isso é só na Ucrânia… coitados! 

Feliz Natal.

Enviado por Denúncia Anónima.
Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2022
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