A ilusão da relevância: quando a batalha do conteúdo enterra a essência


V ivemos tempos onde o barulho pesa mais do que a melodia, onde o médico interno que dança no Instagram eclipsa o cantor que sangra verdades no palco. A Madeira, tornou-se palco de um espetáculo triste: o da inversão de valores. E não é a única, mas é um exemplo gritante, especialmente nestes tempos em que tudo se mede por "gostos", partilhas e algoritmos.

Hoje, ser visto vale mais do que ser. O artista, aquele que molda o invisível, que traduz o indizível, é posto em segundo plano, superado por figuras que não criam, apenas comunicam. Um médico que partilha publicações com estetoscópio ao peito torna-se celebridade local. Um entregador da Glovo que grava entregas com um toque de humor acumula "gostos" como se fossem medalhas olímpicas. Enquanto isso, o artista afunda-se no anonimato, como se talento fosse pecado e autenticidade, um luxo.

Esta é uma ilha com valores trocados. E a situação agravou-se com o apogeu das redes sociais, que viraram palco para o ego descontrolado, para o ruído sobre o conteúdo. E agora, com o surgimento da inteligência artificial, este cenário tende a piorar. Porque, se bem usada, é uma ferramenta poderosa, quase revolucionária, mas mal utilizada, é uma catapulta para tudo o que há de mais raso, mais falso, mais fabricado.

Vai dar palco à voz de quem nunca quis ouvir, visibilidade a quem só quer ser visto. Vai multiplicar os irrelevantes com sede de fama, e muitos usarão todos os meios para se manter à tona, e é legítimo, sim, numa sociedade competitiva. Mas não podemos continuar assim. Não podemos continuar a fingir que tudo o que brilha é ouro, que tudo o que aparece tem valor, que tudo o que se torna popular merece ficar.

E como se não bastasse, até o próprio Presidente da Madeira agora é estrela das redes sociais. Aparece em vídeos com um tom de conversa entre amigos, os que lhe interessam, os "amiguinhos". Surge a cozinhar, numa performance que lembra o ex-rei das serras, antigo Capitão Rochedo do Chão dos Louros. Apresenta obras como se fossem milagres feitos à sua imagem, e veste a pele de popular com um sorriso estudado, tentando parecer cool. Mas todos sabem quem ele é: um monárquico queque, snob, um amante confesso da elite, agora travestido de homem do povo.

E a cereja no topo do bolo: sendo ele próprio pianista, alguém que passou pela música, esperava-se que defendesse a classe artística com unhas e dentes. Mas não. Os artistas só contam se forem próximos, amigos, alinhados. Os outros? Que toquem noutra freguesia. E aqui, vale a pena lembrar as histórias do usucapião, aquelas práticas tão populares com amigos como o Capitão do Chão dos Louros, que, qual rei da arte de apoderar-se do que não é seu, fez até das serranias da Laurissilva seu terreno de acção. Um programa sobre roseiras, com este Presidente e o capitão do mato, cozinheiro e regente agrícola seria um sucesso: uma mistura de flora, usucapião e manipulação da opinião pública. Só faltava dar-lhes uma capa de super-heróis da Madeira.

É a música do compadrio que toca mais alto que a da justiça. E isso, vindo de quem conhece o silêncio de uma pauta e a beleza de um acorde bem feito, dói mais ainda.

Porque isto não é só sobre quem aparece, mas sobre quem desaparece. E quem desaparece, na Madeira de hoje, são os artistas de verdade. Aqueles que moldam a cultura, que sustentam o espírito de um povo, que deviam ser faróis, e são tratados como sombras.

A arte não se vende fácil. Não cabe num "story". Não se resume a um título chamativo. É complexa, exigente, feita de silêncio, falha, sangue e verdade. Por isso não viraliza, mas é por isso que importa.

É preciso recuperar a reverência. Resgatar o valor de quem vive da criação, da entrega, da visão. Não para apagar os outros, mas para relembrar que uma sociedade sem arte é uma sociedade sem espelho, sem alma e sem sonho.

A visibilidade virou moeda. Mas há quem prefira pagar com o coração.

E esses, caros leitores, são os que verdadeiramente ficam.

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