V ivemos tempos estranhos. Dizem-nos que estamos em crise habitacional. Mas será mesmo uma crise? Ou será um plano meticulosamente orquestrado para nos manter divididos, dependentes e controláveis? Durante décadas, venderam-nos a ilusão de que o sucesso passa por sair de casa cedo, estudar, trabalhar até à exaustão e comprar uma casa. “Quem casa, quer casa”, repetiam-nos como um mantra. Mas este provérbio, que talvez fizesse algum sentido quando famílias numerosas viviam em barracas exíguas, hoje tornou-se um veneno. Um argumento sem validade, utilizado para nos impingir a ideia de que viver sozinho, endividado até ao pescoço, é sinal de liberdade e independência. Mas será que é mesmo?
Hoje, as famílias são pequenas, as casas estão vazias, e no entanto, os jovens vivem desesperados, presos a rendimentos absurdos ou a hipotecas impossíveis, enquanto os bancos prosperam com a angústia de quem apenas quer um tecto. Na Madeira, tal como no resto de Portugal, há cada vez mais pessoas com salários que mal cobrem os custos básicos. Trabalhamos 40 ou mais horas por semana para pagar a casa, a comida, os impostos e, ironicamente, os juros que nos cobram por vivermos num sistema que nunca foi feito para nós ganharmos.
Entretanto, em países como a Itália, a solução está à vista: avós, pais, filhos e netos vivem juntos. Partilham despesas, cuidam uns dos outros, trocam saberes e afectos. Ninguém é abandonado. Ninguém cresce sozinho. Mas cá? Cá se ensinou que viver com os pais é sinal de fracasso. A vergonha foi implementada como ferramenta de controlo. É mais fácil dominar um povo dividido, solitário e endividado.
A verdade é que a coabitação intergeracional não é retrocesso, é resistência. É economia de escala, é solidariedade familiar, é sabedoria aplicada à vida real. É um modelo onde os mais velhos não são descartados e os mais novos não são lançados para a selva social sem orientação. Mas este modelo ameaça o negócio da habitação, os lucros das empresas de construção, os empréstimos dos bancos e até os próprios impostos do Estado.
Sim, o Estado, essa entidade que nos exige tudo: tempo, dinheiro, energia. Obrigações sociais e fiscais que raramente se traduzem em retorno real. Pagamos para manter um sistema que nos suga até ao osso. Acordamos cedo, passamos o dia a trabalhar, regressamos a casa exaustos, e repetimos. Para quê? Para ter o privilégio de continuar a pagar.
E no meio disto tudo, esquecemo-nos de viver. De cuidar dos nossos. De perguntar: para que estamos aqui, afinal? Será este o propósito da existência humana? Produzir, pagar contas e morrer? Ou haverá algo mais, algo que nos estão a impedir de descobrir?
Olhem para as culturas orientais, africanas, indígenas da América do Sul: nelas, os mais velhos são respeitados, ouvidos, acarinhados. A vida é vivida em comunidade, com propósito, com ligação. E nós? Perdidos num mar de papéis, horários, faturas, e solidão.
Está na hora de abrir os olhos. De questionar o sistema. De reconhecer que o modelo imposto não serve os nossos interesses, mas sim os de uma minoria que lucra com a nossa alienação. É tempo de reaprender a viver em conjunto, de resgatar o valor da família, da experiência, do tempo e da vida em si. É tempo de nos libertarmos da prisão dourada que nos construíram, tijolo a tijolo, prestação a prestação.
Porque, no final de contas, talvez o verdadeiro crime não seja viver com os pais… mas sim morrer sozinho, num sistema que nos prometeu tudo e nos deixou sem nada.
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