Num Madeira sem palmo de tranquilidade.
C hegamos ao domingo! O dia em que se sonha espairecer e descansar. O dia em que o despertador é um adereço e a perspetiva de um pijama até às duas da tarde era a única meta ambiciosa. O domingo, é uma miragem semanal de paz e sossego para o trabalhador comum, eu, no caso. Sonhei com ele a semana toda: um café na esplanada sem o burburinho de telemóveis corporativos, um passeio à beira-mar sem a correria para apanhar o autocarro ou arranjar estacionamento, talvez até arriscar um almoço num restaurante da moda, daqueles que ficam a abarrotar durante a semana. Ironia.
A utopia durou até eu abrir as cortinas. Lá fora, um sol radioso ou um "capacete", mas também uma procissão de autocarros turísticos que já tiveram o seu tempo, agora são rent-a-cars que só se nota por aselhices e lentidão, paragens e inversões em busca de algo. Já consigo ver as filas gigantes para tudo, ai as bichas. Esplanadas? Onde antes havia cadeiras, agora só vejo montanhas de malas e carrinhos de bebé, tudo estrategicamente posicionado para bloquear qualquer vestígio de passagem. Mesas ainda por limpar e o local com falta de pessoal. Isto aqui e ali era "madeirense", agora até odeiam os madeirenses. Só nos vão bajular se chegar uma "Covid", de resto são políticos em eleições, queridos por interesse ciclicamente.
Pensei: "Ok, o centro está fora. E a praia? Um mergulho refrescante, quem sabe?". A ideia foi imediatamente afogada pela memória das toalhas lado a lado, como sardinhas em lata, e da música alta vinda de cada canto, das motas de água. O calhau, outrora um convite ao relaxamento, transforma-se num campo de batalha onde cada centímetro quadrado é disputado com a ferocidade de um leilão, e faltam os eventos quando só queremos natureza e silêncio. Tudo cheio, tudo denso tudo intranquilo, mais stress do que na semana, olha tenho saudades do trabalho... se não tiver mau ambiente.
Foi então que a epifania me atingiu, mais rápida do que uma trotinete elétrica no passeio, o meu sofá. O meu santuário, o meu porto seguro, o meu oásis de paz. Se o mundo lá fora decidiu transformar o domingo num parque temático do turismo, eu decido transformar a minha sala no derradeiro bastião da preguiça. Isto é lindo, se o vizinho não aproveitar para arranjos na casa, o aspirador ou marteladas, o cortador de relva ou o triturador, a máquina de lavagens, e algo igual às máquinas, os "piquenos". Mas também o cão, quanto mais pequenos mais irritantes, os que falam alto ou têm o cigarro a matar sempre a tossir ou escarrar.
E assim foi. A qualidade de vida ficou em reduto. O café, fiz em casa, meti a cápsula e o café sai perfeito, algo inexistente na larga maioria dos cafés da Madeira. O passeio, limitei-me a ir à cozinha. O almoço "da moda" foi substituído por uma pizza congelada (que não exige fila de espera), ou o take-away mas com a Dolores à porta... só faltava mais essa. E o pijama, esse sim, cumpriu o seu propósito até ao fim. No final, ninguém se distraiu na multidão, ninguém relaxou sob o som do buzinar incessante, ninguém "gozou" o domingo da forma tradicional. Mas eu? Eu "gozei" o domingo à minha maneira: em paz, no silêncio do meu lar, enquanto a massificação turística devorava o mundo lá fora. E, honestamente, foi o melhor domingo em meses. Goze a casa que lhe custa comprar ou arrendar.
Os canais da cabo são uma diarreia, "destematizados", repetidos, conteúdos para idiotas, viva o streaming.
Bom Domingo. Se sair, lembre-se de mim. Natal é quando o homem quiser.
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