E se os do lixo fizessem greve? Ai, a poesia...

I maginem agora o seguinte cenário, os bravos homens e mulheres que, sem capa nem glória, nos salvam diariamente da nossa própria porcaria... entram em greve. Reparem na ironia, o tipo que passa a vida a despejar garrafas de plástico no contentor errado ainda tem a lata de se perguntar: “Mas porquê que eles estão em greve?” Como se fosse preciso explicar.

Vamos por partes, que isto é simples de perceber até para quem acha que o lixo desaparece por magia tipo Harry Potter da higiene urbana. Se, por um momento, os funcionários da recolha de resíduos decidissem cruzar os braços, e com toda a razão, diga-se, a ilha da Madeira transformava-se, num espaço de dias, num episódio bónus do National Geographic, mas versão “Apocalipse com Levada”.

Primeiro dia: cheira mal. Segundo dia: cheira muito mal. Terceiro dia: turistas a tirar selfies com sacos de lixo gigantes como se fossem esculturas contemporâneas. Quarto dia: os gatos, os cães e as gaivotas fazem conferência de imprensa para agradecer o banquete. Quinto dia: a poncha já vem com gelo, limão e "cascas de iogurte".

E não é só uma questão de cheiro, é saúde pública. É ratos em modo festim. É dengue a bater à porta. É os alemães a cancelar as reservas porque não vieram cá para fazer safari no Funchal.

E o mais giro disto tudo? Os mesmos que criticam a greve são os que largam sacos de lixo ao lado do ecoponto porque o contentor estava cheio. Ora pois, claro! Quando o caixote está cheio, a lógica é simples: deixo aqui no chão e rezo para que São Recolhedor passe por mim esta noite. Lindo.

A verdade é que, se há profissão que merece estátua (e ordenado digno), é a do pessoal que lida com o lixo de todos nós. Literalmente. Sem glamour, sem palmas, sem tempo de antena, ao contrário de certos senhores que falam de reis desaparecidos como se fossem cronistas da corte.

Portanto, da próxima vez que virem o camião do lixo a passar, não desviem a cara como se fosse um parente incómodo. Acenem. Digam bom dia. Agradeçam. Porque se eles param... bem, aí sim, vão perceber quem é que realmente mantém esta ilha a funcionar. Vocês funcionários de recolha de lixo, tem um poder inimaginável. Usem-no.