Fanatismo acéfalo, o mundo zapping.


C riamos gerações sem cultura de esforço, que se enfada rápido e consome novidade a todo momento, uma cultura que não assenta, dá valor e escolhe, de preferência quereriam uma grande superfície todos os os fins de semana para tolar de gente. Criamos gerações que quer andar com o mundo real em zapping. Criamos gerações que pressupõem tudo só de ver a imagem e os títulos, quando não só a imagem Instagramável substitui tudo, convencendo-se de que uma imagem vale as mil palavras. Quantos na campanha eleitoral andam com um fotógrafo a reboque, encosta-se, tira a foto e tem muitos apoiantes. Um desses fotógrafos, por essa função, anda todos os dias na Presidência depois de ter servido a Presidente maior do ilhéu.

As pessoas deixaram de interpretar textos, de consumir cultura, de formar bases sólidas com conhecimento passado para formar a sua opinião. Tudo é slogans e soundbites, é assim que o populismo sem sustentação ganha tantos seguidores. A culpa é da educação que não soubemos dar e de muitos pais alheados que dão o que o menino quer para não chatear.

Criamos a sociedade da impaciência, do facilitismo, do atalho e da cunha, fruto da forma como consumimos informação e dos maus exemplos de sucesso. No mundo de hoje, com acesso instantâneo a uma quantidade avassaladora de informação e entretenimento, a paciência para processos mais longos e o esforço contínuo diminuem, ninguém aprende em zapping, mas criam-se muitos arrogantes da sabedoria primária que se impõem à besta. Tudo parece estar a um clique de distância, e a gratificação instantânea torna-se a norma, até para o mundo real. É assim que se chega a uma menor valorização do percurso, da aprendizagem gradual e da persistência necessária para alcançar objetivos significativos. As pessoas não têm gosto do sucesso a pulso, querem logo o prémio e depois não "sabe" a nada e já querem outro, e mais outro. Temos um secretário do turismo que vive nessa vida a destruir a Madeira.

A predominância da imagem e dos títulos sobre o conteúdo profundo fundou-se na nossa era, tornou-se um padrão de validação, onde a aparência superficial muitas vezes ofusca a substância. É o sucesso do Instagram, um sucesso de consumo rápido que vicia para publicar outro e se manter na crista da onda.

Já falei no exemplo do fotógrafo, o que acompanha o candidato para captar "a foto" que transmite a ilusão de apoio massivo, é um retrato fiel de como a imagem se tornou uma ferramenta de manipulação e percepção. A autenticidade cede lugar à encenação, e o que é mostrado nem sempre corresponde à realidade. Claro que depois umas ameaças resultam em votos...

Para mim, os populismos ganham porque vão ao encontra das gerações que criamos, a capacidade de interpretar textos longos e complexos parece, de facto, estar em declínio. Vivemos na era dos slogans, dos soundbites e dos memes, onde a comunicação é reduzida a frases curtas e impactantes. Tudo parece xeque-mate sem se saber do jogo. É como dispor no tabuleiro a jogada do xeque mate colocando as peças caídas de monte ao lado.

O mundo vai torto e cada vez mais por causa da simplificação excessiva. Questões complexas são reduzidas a dicotomias simples, impedindo o debate aprofundado e a compreensão das múltiplas facetas de um problema. Chegaremos a um tempo em que não estudamos nem inventamos e a inteligência artificial toma conta, mas como é que ela vai carregar as bases que tantas vezes nos pedem para cedermos, com os nossos dados por exemplo?

A complexidade e os detalhes são sacrificados em prol da concisão, o que leva a mal-entendidos, deturpação e revisionismo e à polarização. Se somos constantemente alimentados com informações pré-digeridas, a capacidade de analisar, questionar e formar opiniões independentes pode ser comprometida: pão e circo... sempre em festa.

Estamos numa mudança cultural profunda, impulsionada em grande parte pela forma como a tecnologia moldou nossas interações e expectativas. O desafio é como podemos incentivar uma cultura que valorize novamente o esforço, a análise crítica e a profundidade, num mundo que parece cada vez mais voltado para a velocidade, a imagem e a superficialidade.

O mundo não vai torto por acaso, a caquistocracia tomou conta e manipula.

Não estou a ver mundo melhor, meus amigos. Estamos a criar um mundo de filme, com explosões a trechos para despertar a atenção. Ajudem a mudar.

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