Não há festa sem... fogo


Os drones fazem quadros muito mais belos do que o fogo de artifício, por isso estão a substituí-los.

Ainda fogo no Verão?

M ais uma noite de verão, mais uma sessão de fogo de artifício na ilha da Madeira. Porque, aparentemente, não há festa, festival, procissão, ou inauguração de paralelepípedos que não exija explodir meia dúzia de quilos de pólvora no ar. A tradição já não é o que era, agora é um espetáculo pirotécnico com eco até às Desertas. E enquanto meia dúzia de turistas aplaude de telemóvel em punho, o resto da população sofre em silêncio… ou nem por isso.

Vamos começar pelo óbvio: estamos no verão. Estação quente. Secura nos terrenos. Altas temperaturas. Que tal juntar faíscas e explosões ao pacote? Sim, parece uma excelente ideia! Nada como lançar fogo ao céu numa ilha montanhosa cheia de vegetação, onde um incêndio pode começar num piscar de olhos e devorar encostas inteiras antes que alguém acabe o seu espetadinho.

Depois, temos a poluição sonora. É curioso como se discute o ruído dos bares, das motas, dos carros com escape adulterado, mas os fogos de artifício, esses, são tratados como se fossem sinfonias celestes. Não são. São estampidos brutais que acordam crianças, assustam idosos, e fazem com que muitos madeirenses passem as noites agarrados à almofada, com os nervos à flor da pele, à espera que os bombos celestiais terminem.

E os animais? Esses são os que sofrem em silêncio verdadeiro. Cães em pânico, gatos em estado de choque, aves que abandonam os ninhos, vacas em sobressalto, animais de quinta a correr desorientados pelos currais. Tudo porque alguém, algures, achou bonito que o céu brilhasse durante 10 minutos, como se já não tivéssemos estrelas suficientes a fazer esse trabalho naturalmente, e sem traumatizar bichos pelo caminho.

E os idosos? Já é difícil dormir com o calor. Acrescentem meia dúzia de explosões a estalar pelas ribeiras fora às 23h45, e têm o cenário ideal para uma noite de insónia. Nada como acordar a população idosa, cardíaca, com um espetáculo patrocinado pela junta local. Tudo em nome da cultura, claro.

E o ambiente? A cada rebentamento, libertam-se químicos para o ar, partículas para os pulmões, e resíduos para o mar. Mas pronto, desde que a selfie fique bonita com o fogo ao fundo, que se lixe a sustentabilidade. O planeta que aguente, enquanto o Instagram tiver filtro.

Está na altura de repensar esta cultura do fogo pela beleza efémera. Há alternativas mais amigas do ambiente, como espetáculos de drones, jogos de luzes, ou até, pasmem-se, música e dança. A festa não precisa de rebentar com o planeta, com os nervos dos nossos velhos, nem com o coração dos nossos cães.

Madeira, terra de beleza única, não precisa de se incendiar para brilhar.

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