O desfile desgovernado do Dia de Portugal.


No último 10 de Junho de Marcelo, um pesadelo que tive com ele em acompanhamento oficial. 

E ra 10 de Junho, Dia de Portugal, e a pequena vila de Toucinho de Cima preparava-se para o seu desfile anual. Este ano, a expectativa era alta: a Banda Filarmónica "Os Melgas Atrevidas" prometia uma coreografia inovadora, e o Presidente da Junta, Senhor Custódio, garantia um discurso "inspirado e de curta duração" (o que já era um milagre, vindo do Custódio).

O dia amanheceu com aquele sol de esturricar, e a população, de chapéu de palha na cabeça (que pôs a Proteção Civil de alerta) aglomerava-se na praça principal. A Banda Filarmónica, composta maioritariamente por reformados com problemas de ritmo e um ou outro adolescente forçado pelos pais, alinhava-se. O Maestro Ambrósio, um octogenário com a batuta mais descontrolada da região, elevou os braços com pompa e circunstância.

"Um... dois... um, dois, três e..."

Em vez da marcha solene, a tuba do Tiago saiu desafinada, tinha engolido um melro na noite anterior, produziu um som que parecia um golfinho em apuros. A Dona Gracinda, na flauta, assustou-se e deixou cair o seu dente postiço que, perdido no chão, foi parar debaixo da bota do Zé da Gaita, que se desequilibrou e caiu em cima do Tiago. Foi o caos.

A coreografia inovadora transformou-se num amontoado de instrumentos e membros da banda. O estandarte da vila, que o Senhor Custódio teimava em carregar pessoalmente, ficou preso no trombone do Tiago. Num esforço para o libertar, o Custódio puxou com tanta força que o estandarte se rasgou ao meio, revelando por trás uma bandeira da Espanha, que tinha sido usada num espetáculo escolar anterior e guardada apressadamente. Um silêncio constrangido pairou sobre a praça.

"Ai, a Virgem Santíssima!", exclamou a Tia Emília, enquanto abanava o leque.

O desfile, que deveria começar com a banda, acabou por ser liderado pelo cão salsicha da vizinha, o "Pantufas", que, assustado com a confusão, fugiu com uma fatia de salame que um miúdo tinha deixado cair. Atrás dele, a correr desajeitadamente, vinham os bombeiros voluntários, que tentavam recapturar o Pantufas enquanto carregavam a sua mangueira de água, enrolada de forma precária para o desfile.. A mangueira desenrolou-se e, com a pressão, disparou um jato de água que atingiu em cheio o painel onde estava o busto do Infante D. Henrique, que escorregou e rolou até à fonte.

O Senhor Custódio, vermelho como um tomate, tentou improvisar. Subiu ao palanque, sem o estandarte e com o discurso esquecido.

"Portugueses e portuguesas! Hoje, celebramos... celebramos..." Gaguejou, olhando para a bandeira espanhola rasgada no chão. "A nossa... a nossa... nossa... diversidade!"

A frase soltou uma gargalhada geral, mas era uma gargalhada de simpatia, não de escárnio. No fim, a banda recompôs-se, embora desafinada. Os bombeiros recuperaram o Pantufas, e o busto do Infante D. Henrique foi resgatado da fonte, parecendo mais refrescado do que digno.

O Dia de Portugal em Toucinho de Cima pode não ter tido a solenidade esperada. Não houve discursos memoráveis ou coreografias perfeitas. Mas, como sempre, houve risadas, improviso e aquela união desorganizada que, no fundo, faz de Portugal o que é. E para o ano? Bem, para o ano, o Maestro Ambrósio prometeu um desfile sentado. Para a segurança de todos.

Marcelo acaba seu último 10 de Junho a apertar o "carrolo" do Ambrósio para uma selfy, mas ele fugiu... Olha para o outro lado e vê o major-general Agostinho Costa a sorrir com a bandeira russa na lapela.

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