Sem nacionalização, não há concorrência: o futuro do Porto do Caniçal.


A discussão sobre o futuro do Porto do Caniçal não é apenas técnica — é profundamente política e estratégica para a Madeira. Se queremos garantir concorrência real nos transportes marítimos, preços justos para bens essenciais e o regresso de uma linha ferry acessível ao continente, então temos de enfrentar um paradoxo desconfortável: a única forma de garantir concorrência sustentável é nacionalizar o porto.

O paradoxo da concorrência que depende do setor público

Parece contraditório à primeira vista — como é que a nacionalização, ou seja, a retirada de um ativo do setor privado, pode promover concorrência? Mas vejamos o estado atual do porto: uma concessão privada com um operador dominante, o Grupo Sousa, que controla não só a infraestrutura portuária, mas também parte relevante da operação logística e marítima.

Neste contexto, não existe verdadeiro incentivo à concorrência. As condições de acesso são definidas por quem já está instalado. O resultado? Tarifas elevadas, margens protegidas e, mais grave ainda, um bloqueio prático a novos operadores.

Só com o porto sob gestão pública será possível criar regras de acesso equitativas, separar a infraestrutura dos operadores e permitir que empresas independentes — nacionais ou internacionais — operem em igualdade de circunstâncias. A nacionalização não é um fim em si mesmo, mas um meio para garantir um mercado aberto, com concorrência saudável. Algo que hoje, na prática, simplesmente não existe.

A lógica política e a coerência com o JPP

O partido Juntos pelo Povo (JPP) tem insistido — e bem — na necessidade de concorrência no setor marítimo, bem como na importância estratégica de uma linha ferry regular e acessível. Mas há uma incoerência que precisa de ser enfrentada: essas exigências são incompatíveis com a manutenção da concessão privada atual.

O JPP tem razão quando denuncia que o ferry não avança por falta de vontade política e por interesses instalados. Mas então, por que não dar o passo seguinte e propor o resgate público da concessão do porto? Só com o porto sob controlo da Região é que se poderá lançar concursos transparentes, com regras claras e objetivos de serviço público — tanto para a carga como para o ferry.

É tempo de assumir a conclusão lógica das propostas do JPP: sem o porto na esfera pública, todas as restantes medidas correm o risco de ser simbólicas ou ineficazes.

O caso da EEM e a lição das privatizações falhadas

A experiência da Empresa de Eletricidade da Madeira (EEM) é um exemplo claro de como uma infraestrutura estratégica pode — e deve — estar sob controlo público. A Madeira, ao manter a EEM pública, protegeu-se de depender de interesses externos e garantiu uma gestão adaptada à realidade regional.

O recente "apagão ibérico" demonstrou as fragilidades de uma lógica de mercado excessivamente liberalizada nas infraestruturas energéticas. Espanha e Portugal sofreram os efeitos de redes pouco coordenadas, empresas privadas avessas ao investimento de longo prazo e uma visão fragmentada do interesse comum.

O paralelo com o Reino Unido é ainda mais revelador. Desde a privatização do setor ferroviário, o sistema britânico tornou-se caótico: tarifas altas, atrasos crónicos, serviços ineficazes. Muitos analistas e até políticos britânicos já reconhecem o fracasso desse modelo. A Madeira não precisa de seguir pelo mesmo caminho no setor portuário.

O porto é a nossa linha de vida — e deve ser nosso

O Porto do Caniçal é a principal porta de entrada de alimentos, medicamentos, combustível, materiais de construção e bens de consumo para a Madeira. Tratar esta infraestrutura como uma simples concessão privada é um erro grave. É uma questão de soberania económica e segurança regional.

Ter um porto público permitiria à Região negociar com vários operadores, abrir o mercado, baixar custos para os consumidores e, sobretudo, garantir o serviço de ferry com regularidade e preços acessíveis. É uma medida estratégica, e não ideológica. Não se trata de estatizar tudo, mas de reconhecer que há ativos que são demasiado importantes para serem deixados nas mãos de interesses privados com agendas próprias.

Se a Madeira quer liberdade logística, preços mais baixos e um ferry sustentável, não pode continuar a entregar o seu porto principal a interesses privados monopolistas. Nacionalizar o Porto do Caniçal é um passo corajoso — mas necessário — para defender o interesse público e cumprir, finalmente, com as promessas feitas aos madeirenses.

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