Sua Majestade Miguel I de Galoqueira e o Império dos Incêndios.


Por um cronista anónimo, diretamente da corte do Funchal

D iz-se por aí que está na hora de férias. E com razão. Afinal, os incêndios começaram. Que chatice. Que incómodo. Há fumo no ar e não é do charuto cubano da elite, mas daqueles fumos ordinários, rafaeros, de mato seco e pobre a arder. Uma tragédia para quem tem casa de veraneio em zonas “populares” como a Calheta ou o Curral.

Mas que ninguém se alarme! Está tudo sob controlo. As câmaras municipais, sobretudo a do Funchal, que recentemente se transformou numa incubadora de gabinetes de arquitetura privados com placa do PSD na porta, têm tudo preparado. Limpeza de terrenos? Está em curso. Identificação de risco? Com certeza, feita por drones invisíveis e relatórios em papel reciclado. A única coisa que arde, aparentemente, é a paciência do povo.

Entretanto, os serviços de fiscalização estão também muito ativos: servem cafés, imprimem plantas de empreendimentos e, ocasionalmente, ajudam a decorar as maquetes dos amigos dos vereadores. A função pública, coitada, transformada em apêndice das grandes construtoras, cumpre fielmente o seu papel de adorno institucional.

E é nesta altura que entra em cena Sua Majestade, Dr. Miguel Albuquerque, Príncipe da Galoqueira, Rei do Jasmim Público e Primeiro da sua linhagem a ocupar simultaneamente o trono da Quinta Vigia e o de São Vicente (espiritualmente, claro). Está cansado. Precisa de férias. E merece! Afinal, segurar uma região inteira com os dedos dos pés, enquanto os incêndios sobem pelas serras como se fossem selfies de verão, não é para todos.

A família real do PSD-Madeira também merece descanso. Ser incomodado com fumaças é coisa de pobre. Gente com grelhadores de tijolo e sardinha em papel alumínio. Horror! Fumaça doméstica é uma praga. Deveria ser banida dos roteiros gourmet. Miguel, claro, não alinha em churrascadas plebeias, a menos que envolvam vinho francês e investidores com helicóptero.

O bipresidente das florestas, sim, o tal que aparece sempre a dizer que “estamos a acompanhar a situação”, também precisa de pausa. Está calor, os incêndios são muito impopulares e os microfones da RTP não têm ar condicionado. O povo que aguente. Que espere no trânsito, que perca as casas. A prioridade é a elegância institucional.

Porque, verdade seja dita, o problema dos incêndios não é o mato seco. É o povo seco de paciência. São os que ainda acreditam que a função pública serve o público. Que as câmaras são da cidade, não das construtoras. Gente que incomoda com perguntas, grelhas partidas e aldeias em cinzas.

A realeza política da Madeira precisa de paz. Paz nos gabinetes, nos concursos públicos silenciosos e nos resorts que a brisa do Atlântico ainda não queimou. Porque se há algo que a história nos ensina, é que todos os impérios caem. Mas até lá, férias.

“Agora, silêncio que Sua Majestade vai mergulhar. A piscina está aquecida. A serra, infelizmente, também.”

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