Novo Hospital da Madeira: se nada for alterado, é um projeto condenado a repetir os mesmos erros


A recente notícia do JM Madeira sobre o projeto do novo hospital, com destaque para a presença do arquiteto responsável, deveria ser motivo de celebração. Afinal, estamos a falar de uma infraestrutura vital para a saúde dos madeirenses. Contudo, uma análise crítica das informações apresentadas revela falhas graves que comprometem desde já a funcionalidade desta unidade hospitalar que custará milhões aos contribuintes.

É preocupante que, numa apresentação onde se destaca o trabalho arquitetónico, as questões funcionais fundamentais pareçam ter sido relegadas para segundo plano. O foco na estética e na presença mediática do arquiteto não pode esconder os problemas estruturais do projeto.

O absurdo das camas: construir novo para manter o mesmo

A primeira e mais gritante falha é a manutenção do mesmo número de camas do hospital atual. Pergunto: qual a lógica de construir um hospital de raiz, com todos os custos inerentes, mantendo exatamente a mesma capacidade de internamento quando já hoje enfrentamos sobrelotação?

Se o Hospital Dr. Nélio Mendonça já opera constantemente acima da sua capacidade, com doentes nos corredores e listas de espera intermináveis, como pode um novo hospital com o mesmo número de camas resolver estes problemas? Esta decisão não passa de um exercício de cosmética arquitetónica que ignora completamente as necessidades reais da população.

A falácia da responsabilização familiar

Outro aspeto preocupante é a contínua transferência de responsabilidades para as famílias. Não, não devemos culpar as famílias que não conseguem cuidar 24 horas por dia, 7 dias por semana, dos seus entes queridos. Esta narrativa é profundamente injusta e desumana.

A realidade é simples: há pessoas que não podem deixar de trabalhar para se tornarem cuidadores a tempo inteiro. Há famílias com recursos limitados, tanto financeiros como físicos. Há situações clínicas que exigem cuidados especializados que nenhuma família pode proporcionar em casa.

Quem está verdadeiramente a falhar é a Segurança Social, que não cumpre o propósito fundamental para o qual foi criada e para o qual todos os trabalhadores descontam religiosamente todos os meses. Em vez de responsabilizar famílias já sobrecarregadas, devemos exigir que o sistema público funcione.

Isolamento: quando a ignorância médica projeta hospitais

As salas de isolamento insuficientes revelam uma perigosa ignorância dos princípios básicos de controlo de infeção. Colocar doentes com diferentes patologias na mesma sala de isolamento não é apenas inadequado – é contraproducente e perigoso.

Um doente isolado por uma infeção do trato digestivo não pode partilhar o espaço com um doente com infeção respiratória. Esta mistura resulta numa contaminação cruzada que agrava o estado de ambos os doentes. Qualquer profissional de saúde com experiência prática conhece esta realidade elementar.

Logística Ignorada: Estética Versus Funcionalidade

A localização das enfermarias e postos de enfermagem levanta sérias dúvidas sobre se alguém consultou os profissionais que realmente trabalham no terreno. A eficiência dos cuidados de saúde depende crucialmente da logística: distâncias curtas entre quartos e postos de enfermagem, facilidade de transporte de doentes, acessibilidade rápida em emergências.

Quando a estética do edifício se sobrepõe à funcionalidade prática, quem paga o preço são os doentes e os profissionais que os assistem.

Instalações Sanitárias: regresso aopassado?

A questão das casas de banho é sintomática da desconexão entre projeto e realidade. Estamos em 2025, não na Roma Antiga. Quartos de internamento sem casas de banho individuais, obrigando doentes debilitados a percorrer corredores até instalações comunitárias, representa um retrocesso inaceitável na dignidade e conforto dos cuidados hospitalares.

Estacionamento:

E o estacionamento? Onde ficam os carros dos centenas de profissionais que trabalharão no hospital? E os dos doentes e familiares? Ou será que este "pormenor" ficará entregue à exploração privada, com os preços abusivos que conhecemos?

Um hospital sem estacionamento adequado é um hospital que cria problemas adicionais a quem já está numa situação vulnerável.

A Consulta que Nunca Aconteceu:

O maior erro deste projeto é ter ignorado quem realmente conhece a realidade hospitalar. Não bastam reuniões com diretores de serviço que, em muitos casos, raramente pisam as enfermarias que dirigem.

Era necessário consultar as equipas médicas que fazem turnos de 24 horas, os enfermeiros que correm entre quartos sobrelotados, os auxiliares que conhecem cada centímetro dos corredores, os doentes que passaram semanas internados, e as famílias que viveram a angústia de navegar num sistema hospitalar deficiente.

Estas são as pessoas que poderiam ter apontado, desde o início, as falhas que agora saltam aos olhos de qualquer observador atento.

A Oportunidade Perdida:

O novo Hospital da Madeira tinha tudo para ser um marco na modernização dos cuidados de saúde na região. Em vez disso, arrisca-se a ser uma repetição cara dos mesmos problemas que já conhecemos.

Ainda há tempo para corrigir estas falhas, mas isso exige humildade para reconhecer os erros, coragem para enfrentar interesses instalados, e sobretudo, a sabedoria de ouvir quem realmente trabalha para salvar vidas todos os dias.

Os madeirenses merecem um hospital que funcione para os doentes, não para as fotografias de inauguração e campanhas eleitorais.

Se alguém com acesso ao Sr.º Arquiteto e restante equipa ler esta opinião, faça o favor de partilhar esta página com eles, ainda vão a tempo de corrigir muita coisa, para o bem dos madeirenses. Falem com quem está realmente no terreno a trabalhar!

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1 Comentários

  1. Que título falacioso, me explique como se fosse uma criança, como é que o novo hospital vai aumentar a esperança média de vida na RAM ?

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