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| Imagem de Joana Sousa - JM edição impressa de 26-10-2025 |
O Sobressalto do Norte.
Favoritismo, descontentamento e a improvável ascensão do CHEGA em São Vicente.
O Concelho de São Vicente, na costa Norte da ilha da Madeira, tornou-se, no passado dia 12 de Outubro de 2025, o epicentro de um terramoto político-eleitoral de magnitude inesperada. A vitória da força política CHEGA nas eleições autárquicas não foi apenas um resultado atípico; foi um sobressalto que expôs as profundas fissuras sociais e o descontentamento acumulado ao longo de anos numa região tradicionalmente relegada.
O descontentamento local, que se arrasta por um período considerável, é alimentado por uma série de relatos acusatórios que se tornaram moeda corrente no espaço público. Fala-se em alegadas práticas de favorecimento, de um sistema elitista e de compadrio que beneficiaria apenas aqueles que pertencem aos «quadros» da administração local e os seus círculos próximos, deixando a maioria da população e os mais distantes destas esferas de influência à margem.
A isto somam-se as especulações sobre a alegada exclusão e penalização de cidadãos que exerceram o seu direito à crítica contra a anterior gestão da Câmara Municipal de São Vicente. A perceção de que o acesso aos serviços públicos ou o tratamento das suas necessidades era «prejudicado e esquecido» para quem ousava discordar é um sintoma da erosão da confiança nas instituições.
Não menos grave é a especulação em torno de alegados casos de viciação de contratos por ajuste direto, tanto em obras públicas camarárias como na contratação de pessoal para preenchimento dos quadros da Câmara Municipal e Juntas de Freguesia. Estas acusações, circulando na rua, pintam um quadro de gestão questionável que, independentemente da sua veracidade judicial, foi suficiente para minar o capital político da governação cessante.
O Norte Relegado: Consequências do Baixo Peso Eleitoral
Os vicentinos expressam a amarga convicção de que o Norte da ilha, em particular São Vicente, tem sido relegado para segundo plano durante demasiado tempo, abandonado à sua própria sorte. A razão é eminentemente pragmática e fria: o baixo número de habitantes e de eleitores existentes confere-lhe uma reduzida expressão eleitoral. Consequentemente, tem sido alvo de menor atenção e investimento público em áreas vitais.
Os défices estruturais são evidentes: escolas com carências significativas em recursos humanos e materiais; serviços como os correios a funcionar de forma limitada e com número insuficiente de funcionários; e outros problemas que afetam o quotidiano. Este sentimento de abandono foi o adubo perfeito para o crescimento de uma alternativa radical. A exigência é clara: estratégias concretas e um plano de ação efetivo para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida.
A Surpresa (e a Contradição) do CHEGA
A vitória do CHEGA em São Vicente apanhou, de facto, o espectro político de surpresa. Tratando-se de um partido da direita radical ou extrema-direita, com uma ideologia que abraça o populismo de direita, o nacionalismo português, o conservadorismo nacional e o Euroceticismo, o resultado levanta questões profundas sobre o eleitorado.
A estranheza é amplificada pelas contradições internas. Embora o CHEGA ostente no seu programa princípios ultra-conservadores e anti-sistema, as listas eleitas neste concelho incluíram elementos pró-LGBTQIAPN+ e apoiantes desta causa. Este facto sugere uma profunda confusão ideológica ou uma deliberada diluição de princípios em favor da captação de votos através do protesto puro.
Há uma forte suspeita de que muitos eleitores votaram no CHEGA por desconhecimento total das suas ideologias — anti-democracia, nativismo, anticiganismo, antifeminismo, anti-imigração. A confusão manifesta-se nos relatos de eleitores que associam a vitória do CHEGA a uma «revolução de Abril» (25 de Abril de 1974), um conceito diametralmente oposto à matriz ideológica do partido. Esta desinformação ou falta de informação do eleitorado sublinha o voto de protesto cego, mais motivado pela frustração com o statu quo do que por convicção ideológica.
A Falta de Competência e o Fantasma do Anti-Progresso
As acusações contra os recém-eleitos não se circunscrevem ao plano ideológico, mas incidem diretamente na sua competência técnica. São apontados e acusados de falta de capacidades técnicas e de conhecimento de causa para a gestão de um município. A especulação mais grave, e de cariz estratégico, é a alegação de que alguns dos eleitos são anti-progresso e sem visão estratégica para o desenvolvimento concelhio.
Um caso paradigmático é a posição anterior do agora Presidente Municipal da Câmara Municipal de São Vicente, José Carlos Gonçalves, que se manifestara contra a abertura do novo supermercado Continente na vila. Esta oposição a um projeto de desenvolvimento empresarial privado lança um manto de dúvida sobre o futuro. A questão que paira no ar é: esta nova vereação vai opor-se ou permitir a abertura do anunciado projeto de desenvolvimento empresarial privado do supermercado Pingo Doce? A resposta a esta questão servirá como barómetro da sua real política de desenvolvimento económico.
Jogos de Poder e os «Talibãs» de São Vicente
O cenário político local foi também contaminado pela polémica em torno do alegado afastamento de Fernando Góis, antigo Vice-Presidente da Câmara e candidato com forte influência local pelo PPD/PSD. Este afastamento interno gerou uma onda de descontentamento no eleitorado tradicional do PPD/PSD, uma fissura que o CHEGA soube explorar.
As táticas de campanha do CHEGA, apelidadas por alguns descontentes de «Talibãs» de São Vicente, são descritas como pouco ortodoxas e manipuladoras. O alegado uso de um jornal local para proferir «calúnias provadoras» contra os supostos esquemas ilícitos da governação cessante do PPD/PSD é visto como um «jogo sujo» que sabotou o partido no poder.
Por fim, a presença presumível e controversa do líder nacional do CHEGA, André Ventura, na tomada de posse do novo executivo camarário alimenta a suspeita de um controlo absoluto e autoritário por parte da direção nacional. A sua presença é vista por muitos vicentinos como «exagerada e totalmente desnecessária, e controlador, e manipulador», sublinhando a preocupação com a autonomia e a soberania local.
São Vicente está, inegavelmente, «abalada, aos sobressaltos com esta revolução dos ‘talibãs’». O futuro que se avizinha é incerto, marcado pela tensão entre o voto de protesto e a necessidade urgente de uma governação tecnicamente competente e transparente. Resta, agora, à população aguardar, pacientemente, para ver se esta «revolução» se traduzirá em progresso real ou num novo ciclo de estagnação e polémica. São Vicente 2025: o Norte espera pela verdade do futuro.
