N a história subterrânea da Câmara do Funchal, atravessou os corredores uma sombra que mais parecia saída das páginas de Dumas. Vestido de capa escarlate, erguido na pose solene de cardeal, ele não era Richelieu de França, mas o Richelieu da BM, senhor das águas e dos esgotos, transvertido em falso urbanista. Era o arcanjo caído que fingia ordenar a cidade, quando na verdade espalhava veneno pelas entranhas do poder.
Nem a proteção dos santos guerreiros, Santiago Maior e Santiago Menor, foi suficiente para deter a entrada do demónio naquele consórcio de pedra. O Richelieu, serpente enrolada em si mesma, despejou ódio, frieza e cálculo, como se apenas um exorcismo pudesse varrer tanta maldade. Não era homem, era caricatura de homem: disfarçado de bondade, afiava punhais na penumbra.
Foi ele o verdadeiro traidor de um D’Artagnan calado, aquele que confiava no juramento silencioso dos mosqueteiros. Meses antes, já lhe cravava adagas invisíveis nas costas. Muitos ouviram os murmúrios, poucos acreditaram. Mas a verdade virá ao de cima: o Richelieu tramava como Judas, e até Judas, ao lado dele, parece santo admitido no Céu.
Tentou abater o Conde de Monte Cristo, como se pudesse calar o grito da justiça que sempre retorna. E não bastando trair, perseguiu vidas inocentes. Há quem fale da jovem de São Bento e de Santa Escolástica, que viu a sua vida, e a do filho, despedaçada pela mão fria deste cardeal da mentira. Nenhum romance negro ousaria pintar figura tão devastadora.
Enquanto isso, fingia amizade com os anafados de ocasião, gordos de comodismo e cegueira. Entre risos falsos e abraços teatrais, roía-lhes o coração. Postou-se junto da Presidente, que brilhava como pedra preciosa ainda por lapidar. Mas até as pedras se deixam cobrir pela sombra, e a sua luz foi abafada pela negritude que Richelieu exalava.
Este Richelieu da BM não construiu, corrompeu. Não orientou, perverteu. Fez-se sombra de todos os corredores, traço de enxofre em todas as paredes, rasto de podridão onde passou. E enquanto se mascarava de certinho, de bem-educado, de discreto, praticava a pior das artes: a arte de disfarçar o mal na roupagem do bem.
A história ainda não o apanhou. Mas o tempo, que tudo revela, há de arrancar-lhe o disfarce. No tribunal da memória, o Richelieu da BM não escapará. Porque o mal que se pinta de ouro acaba sempre revelando o ferro enferrujado. E o seu nome, misturado às trevas, será lembrado como o mais sinistro dos espectros que passaram pela Câmara do Funchal.
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