UMa: Psicologia num concurso para as Ciências Exatas?


A Universidade da Madeira abriu um concurso para investigador auxiliar na área científica de Sistemas de Informação, no âmbito da Faculdade de Ciências Exatas e da Engenharia, ao abrigo do programa FCT-TENURE. Foi publicado no Aviso n.º 19852/2025/2.

O ponto que mais surpreende é simples e frontal: entre as habilitações aceites surge Psicologia (ao lado de Engenharia de Informação e Sistemas de Informação). Num procedimento lançado por uma faculdade de Ciências Exatas e Engenharia, a pergunta impõe-se: o que faz aqui Psicologia? A redação é explícita ao admitir doutorados em Psicologia para um lugar na área de Sistemas de Informação. Será que é feito à medida?

Esta opção não é neutra. O desenho dos critérios afunila a avaliação para usabilidade, experiência do utilizador e fatores humanos, incluindo referências a plataformas no-code/low-code e até à metodologia DEMO. Entre as cinco publicações a valorizar, pede-se foco precisamente nestes domínios de fatores humanos; e a experiência e formação ponderam o uso de métodos de investigação (quantitativos e qualitativos) para avaliar a usabilidade de sistemas. Tudo legítimo em investigação aplicada, mas completamente deslocado quando o concurso se apresenta como sendo de Sistemas de Informação numa escola de Ciências Exatas e Engenharia.

Há ainda um filtro prévio de “mérito absoluto” difícil de justificar: exige-se participação, nos últimos cinco anos, em pelo menos sete projetos competitivos. Sete, não seis, não “experiência relevante”. Sete! É um número mágico, mas um critério muito difícil de explicar. Não é “produção científica de qualidade”, “impacto”, “contributos originais”. É contabilidade de projetos. A ciência reduzida a um KPI que exclui excelentes investigadores com carreiras sólidas e continuadas, mas sem o “sete à cabeça” nos últimos cinco anos, que na verdade nada dizem sobre a qualidade da candidata em investigação (carreira para a qual este concurso incide).

Não está aqui em causa o valor da Psicologia, nem o contributo dos fatores humanos para a conceção de sistemas. Está em causa a coerência institucional e a transparência: quando um concurso de Sistemas de Informação aceita Psicologia como habilitação de base e orienta a avaliação para esse prisma, o risco é desvirtuar a área e fechar a concorrência a quem trabalha o núcleo duro dos Sistemas de Informação na perspetiva das ciências exatas e da engenharia.

O que fazer?

  • Suspender e rever o aviso, clarificando que a habilitação de base deve ser Sistemas de Informação/Engenharia de Informação, admitindo contribuições de Psicologia apenas como complemento interdisciplinar, não como porta de entrada principal.
  • Substituir o critério dos “sete projetos em cinco anos” por métricas de mérito científico (qualidade/impacto de publicações, liderança e resultados de investigação).
  • Reequilibrar as ponderações para que usabilidade/UX e metodologias específicas (p. ex., DEMO) não condicionem o perfil do lugar, garantindo abertura a toda a amplitude dos Sistemas de Informação.
  • A Universidade da Madeira tem aqui uma oportunidade: alinha o concurso com a sua designação e vocação científica, preservando a confiança dos candidatos e da comunidade. É esse o compromisso esperado de uma instituição pública.