Carrinhos de brincar, vidas reais: a Madeira que Miguel Albuquerque não quer ver.


M iguel Albuquerque, sempre pronto para o flash e o elogio fácil, participou com entusiasmo na abertura da exposição “À Escala — Desporto Automóvel”, do colecionador João Paulo Freitas, no Museu da Eletricidade – Casa da Luz. Uma mostra, nas palavras do próprio presidente, “um encanto”. E, de facto, pode ser encantadora — para quem vive numa bolha onde o passatempo é contemplar carrinhos de brincar enquanto a realidade social da Madeira se afunda naquilo que dificilmente se pode chamar de encantador.

Enquanto o governante se deleita com miniaturas reluzentes e discursos protocolares, as verdadeiras maquetas da Região — os bairros sociais degradados, as casas húmidas e as ruas onde o saneamento básico ainda é um luxo — permanecem fora de exposição, escondidas por conveniência política. O cenário é quase alegórico: um presidente que se entusiasma com o detalhe das réplicas de Ferrari e Porsche, mas ignora as peças em falta no motor social da ilha.

A crise habitacional na Madeira é uma realidade palpável e crescente. Jovens que não conseguem arrendar, famílias inteiras a viver em quartos alugados ou em casas sem condições, salários que não chegam ao fim do mês. O custo de vida dispara, mas o Governo Regional parece mais preocupado em inaugurar eventos e posar para a fotografia. Jovens madeirenses são empurrados para o continente ou para a emigração porque o preço das casas e das rendas ultrapassa qualquer salário médio local. Há famílias a viver em condições indignas, em habitações precárias ou sem acesso a saneamento digno — um problema que o Governo Regional arrasta há décadas, com promessas de resolução que nunca chegam à estrada. E o saneamento? Em pleno século XXI, ainda há zonas da ilha sem rede de esgotos adequada. Um retrato que choca com a imagem turística de modernidade que o executivo tenta vender — uma Madeira de cartão, limpa e organizada, mas só no postal.

Enquanto isso, multiplicam-se as inaugurações simbólicas, as exposições, os eventos de fachada. É a política do verniz cultural sobre a ferrugem social. As prioridades estão, literalmente, “à escala”: um governo reduzido a gestos decorativos, incapaz de enfrentar a dimensão real dos problemas.

Talvez a exposição tenha, afinal, um valor simbólico involuntário. Nela, tudo é pequeno, polido, arrumado — como a visão de uma Madeira perfeita que só existe nas vitrines oficiais. Lá fora, na Madeira em tamanho real, há pobreza envergonhada, trabalhadores exaustos e bairros sem dignidade urbana.

Enquanto o poder se diverte com brinquedos, a ilha continua à espera que alguém se lembre de que governar não é colecionar memórias, é construir futuro.