Carta Aberta a um certo dono de jornal, Luís Miguel de Sousa.


Caro Senhor,

O bservei, com uma pontinha de espanto e outra de ironia, o seu silêncio sobre a morte de um homem que acreditava verdadeiramente na liberdade de expressão. Um desses raros que achavam que o jornalismo serve para questionar o poder, e não para lhe fazer vénias. Francisco Pinto Balsemão.

Imagino que tenha sido um silêncio ponderado. Afinal, falar de liberdade de imprensa quando se exerce o oposto deve causar alguma comichão. Não é fácil elogiar quem viveu da coragem quando o próprio se alimenta do controlo.

O senhor, que se apresenta como guardião da informação regional, sabe bem o peso das palavras, sobretudo das que nunca chegam a ser publicadas. É curioso, no seu DN, as notícias parecem todas escritas com luvas de veludo, para não ferir sensibilidades… especialmente as de quem manda.

Chamam-lhe “linha editorial”. Os leitores chamam-lhe o que é: censura!

Talvez não se tenha lembrado de comentar a morte daquele que defendia o jornalismo livre porque isso exigiria uma certa coerência. E coerência, no seu mundo, é artigo de luxo.

É muito mais cómodo celebrar a liberdade dos outros enquanto se sufoca a que está em casa.

Mas não se preocupe, ninguém espera que o senhor mude agora. Já seria pedir demais. Apenas pedimos que, da próxima vez que um verdadeiro defensor da imprensa livre partir, o senhor continue a manter o silêncio.

Não por respeito, mas por pudor.

É também curioso observar como, sempre que morre alguém que acreditava verdadeiramente na liberdade de expressão, surgem os elogios mais entusiasmados vindos precisamente de quem mais a teme: Miguel Albuquerque. De repente, defensor da palavra livre, do jornalismo independente e do “direito à verdade”. É um espetáculo comovente, se não fosse tão hipócrita.

Talvez seja por isso que o jornalismo regional, aquele que devia ser o mais corajoso, o mais próximo das pessoas, se tornou tão previsível. As manchetes parecem escritas sempre suaves com os poderosos, sempre duros com quem ousa pensar diferente.

Continue, caro Luís Miguel. Continue a podar palavras e a domesticar vozes. Cada edição é um monumento ao seu talento para transformar a informação em decoração.

Mas lembre-se, por mais que tente abafá-la, a liberdade é como o fogo, quanto mais se tapa, mais ar procura, e quando encontra, incendeia tudo.

Os verdadeiros amantes da liberdade, aqueles que erram, corrigem e publicam, que falam mesmo quando doí, estão aqui, chama-se Madeira Opina. Ainda são anónimos, mas estão a crescer sem medo.