A inteligência do Burro
N aqueles dias vinha Jesus montado num burro, ajaezado à Andaluza, em modo de mobilidade suave, quando foi interrompido no seu passeio por uma multidão que o cercou. Visivelmente agastado, desceu da sua montada e perguntou.
- Que quereis de mim homens de pouca fé e discernimento?
- Mestre que dizeis das eleições da nossa cidade? Ganhou o melhor?
Jesus olhou em volta. O silêncio era sepulcral.
O mestre acariciou com carinho o seu transporte e disse:
- Em verdade vos digo, este não é o tempo das interrogações. Tiveram o dia de reflexão para isso e fizeram as vossas escolhas. Tinham a escolha de uma pessoa que fez do trabalho social a sua carreira, ajudando os mais necessitados e do outro lado um candidato dos gabinetes, do cinzentismo burocrático, do clientelismo. Quem é que vocês escolheram? Pois é se perguntasse agora quem é que votou no Carvalho tenho a certeza que não aparecia ninguém a admitir esse voto. E, no entanto, ele ganhou! Os funchalenses preferiram, como sempre, aquilo que já fazem há décadas. Votar naqueles que lhes flagelam o lombo!
Em verdade vos digo, vedes aqui o meu amigo burro que carrega um nome que não lhe faz justiça. O burro é um animal inteligente e teimoso. Condenado à escravidão que lhe impomos, por vezes revolta-se e finca os pés no chão e não avança. Tem momentos destes, mesmo sabendo-se condenado à escravidão dos homens.
O que é que o burro tem a ver com as eleições, murmurava a multidão?
Jesus percebeu que a parábola não tinha atingido o público, como de costume aliás, e explicou como se explica a uma criança.
Ao contrário de vós o burro ainda tem a dignidade do espanto, da indignação. Aqui no Funchal tinham a possibilidade de mudar a governação da cidade com a candidata Fátima e preferiram o Carvalho. E não foi por falta de informação. Vocês escolheram de livre vontade aquela candidatura que é mais do mesmo dos últimos anos. Onde está a vossa indignação perante os desmandos camarários, pela recusa do investimento do Lidl, pela habitação a quem não têm direito? Deixai-me em paz néscios, para não vos chamar burros, insultando o animal.
Dito isto, montou o burro e afastou-se daquela gente.
Eu cá não votei no Carvalho, eu cá não votei no Carvalho, era o murmúrio envergonhado que se ouvia pela cidade…