O Natal da corrupção: os presentinhos hipócritas e interesseiros



C hegamos a um tempo em que os servicinhos, fretes e cunhas se premeiam para renovar o contrato por mais um ano. Tempo onde aqueles que passam à frente e se resolve rápido têm que mostrar o seu interesse à margem dos valores da época, um tempo hipócrita onde os mais sujos dizem que querem continuar a se lambuzar mas precisam da máquina oleada. São estes que estragam o espírito do Natal e nos fazem desacreditar, os que se exibem em mercadinhos e missas do parto, os esse sim anónimos de registo que enriquecem pela calada em expedientes.

Há quem ainda acredite que o Natal é tempo de virtude, de reconciliação e de valores. Mas há um outro Natal, o Natal subterrâneo, o Natal dos corredores abafados e dos apertos de mão gordurosos, onde o espírito natalício serve apenas de embrulho para o mesmo velho negócio sujo.

É o Natal dos “presentinhos” que não vêm com laços, mas com favores embutidos, das refeições oferecidas que valem mais pelo contrato renovado do que pela sobremesa. Parecem a multa que vale a pena para fechar o negócio chorudo. É o Natal onde cada gesto tem preço, cada sorriso tem agenda, e cada brinde é apenas mais uma forma de garantir que a máquina continua a rodar sem ranger.

Chegamos a um ponto em que os “servicinhos” e “cunhas” não são desvios à regra, são o sistema que substituí a dignidade, são o próprio ritual da época. Enquanto uns fazem filas e esperam, outros deslizam para a frente porque já sabem a quem acenar. Quem resolve rápido não o faz por competência, mas porque já pagou a portagem invisível. Assim tem de haver de facto a Madeira dos ricos com hobbies pagos pelo erário público e os pobres que para aceder ao que têm direito, a nível social, enfrentam uma tremenda burocracia para desistir por esse mesma gente que facilita os "porquinhos da festa" que não se matam.

Chegamos à época do Natal dos presentinhos hipócritas e interesseiros, o Natal da corrupção, tempo dos prémios e awards dos que passam o ano inteiro a alimentar-se das falhas do sistema a se fingirem com inocência festiva, a embrulharem interesses pessoais em papel dourado e desejarem “boas festas” com a mesma boca que, no resto do ano, mastiga oportunidades alheias por ajuste direto. Dizem querer “continuar o bom trabalho”, mas o único trabalho que realmente lhes interessa é o de manter a engrenagem oleada, pronta para que a próxima rodada de favores circule como carne "vinha d'alhos" num jantar de empresa.

Neste Natal da corrupção, as luzes brilham, mas só iluminam o que sempre esteve à vista, um teatro onde a moral é opcional, a honestidade é um enfeite e o que realmente se celebra é a continuidade do esquema. Até a hipócrita e suja igreja ajuda, com as mesmas narrativas da construção e do poder, os mesmos tiques, premeiam com o branqueamento das imagens para receber obras.

Feliz Natal? Para alguns, talvez. Que fraternidade já não saber o que fazer aos dinheiros públicos e o PRR (que vai acabar) sem nunca ter sido derramado para tirar a população da pobreza e dos baixos salários. Não houve recuperação nem se deu resiliência à população, foi Natal todos os dias para os amigos. Para haver Natal é preciso ter pobres para alimentar a caridade e as boas palavras.

Natal tempo de hipocrisia, tão típico desta quadra quanto os anúncios da televisão. Tempo dos lobos e sonsos feitos anjos.