Emprego à porta fechada.


E m São Vicente, Madeira, o mercado de trabalho funciona como um clube privado. Não tem cartão, não entra. O currículo? Um adereço decorativo. A experiência? Um detalhe irrelevante. O que decide mesmo é a cunha, o compadrio, o apelido certo, a mesa certa no café certo, a tribo certa. Aqui, o mérito não é avaliado: é suspeito.

Riem-se da ideia de igualdade de oportunidades como quem ri de uma anedota mal contada. Pedir trabalho fora do círculo autorizado é um acto de ousadia punido com desprezo. Primeiro ignoram-te. Depois marginalizam-te. Por fim, gozam contigo em público, como se o desemprego fosse uma falha moral e não o produto de um sistema viciado. Apontam o dedo ao “pobre”, ao que vive com a família, ao que “não se safou”, enquanto escondem a própria mediocridade atrás de portas fechadas.

Os casos repetem-se com uma regularidade obscena. Currículos enviados para supermercados, hotéis, estalagens, restaurantes, comércio local. Respostas nulas. Justificações frágeis. Horários usados como filtro social: quem não pode tudo, não pode nada. Preferências pessoais transformadas em critérios profissionais. Vizinhança confundida com competência. Afinidade política travestida de “bom ambiente de equipa”. Valores diferentes? Exclusão imediata.

E como se não bastasse excluir, celebram. Gabam-se. Nos cafés e bares, vangloriam-se de terem recusado trabalho a alguém. “Bem feito”, dizem. Como se a humilhação alheia fosse um troféu. Aqui, o desemprego é espectáculo. A dignidade, um incómodo.

Este sistema não atinge apenas quem procura emprego. Esmaga também os pequenos prestadores de serviços, os trabalhadores a recibos verdes, sufocados por impostos e contribuições enquanto outros trabalham pela porta do cavalo, sem declarar um cêntimo, ao serviço dos mesmos de sempre. Concorrência desleal. Injustiça institucionalizada. A lei aplicada aos fracos e contornada pelos fortes.

Chamam-lhe normalidade. Não é. É captura do mercado de trabalho por redes informais de poder. É uma falha democrática em escala local. Quando o acesso ao trabalho depende da pertença e não da capacidade, a comunidade deixa de ser comunidade e passa a ser feudo.

Estamos fartos. Fartos da discriminação, da marginalização, da arrogância travestida de sucesso. Fartos de um sistema que precisa de pobres para se sentir superior. Exigimos respeito. Exigimos regras claras, critérios justos, transparência real. O trabalho não é favor. É direito.

Continuem a rir-se. O riso nervoso é sempre o primeiro sinal de medo.