AL e Condomínio - Testemunhos e desabafos


A menção no título constitutivo do fim a que se destina uma fração de um condomínio permite a que cada condómino satisfaça o direito de saber, antecipadamente e com rigor, qual o fim não só da sua fração como também das restantes, para não ser surpreendido por atividades suscetíveis de lhe perturbarem o sossego, como por exemplo, a instalação de um café ou restaurante. (17 Dez. 2021. Segundo a alínea c) n.º 2 do art. 1422º do Código Civil é vedado aos condóminos dar um uso diverso à propriedade horizontal). 

N os últimos tempos tem-se assistido a uma crescente proliferação de AL na região, com mais incidência no Funchal. Certo de que se trata de uma forma de dinamizar a economia, porém os interesses daqueles que vêem este modelo de alojamento como uma promissora e fácil forma de investimento entram efetivamente em conflito com os dos moradores que vivem confinados parede com parede com os vizinhos turistas.

Este modelo de prestação de serviço de alojamento praticado num condomínio, conjugando hotelaria em comunhão com moradia para locais é algo deveras muito delicado. Trata-se efectivamente da instalação de uma actividade de prestação de serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, num condomínio reservado à habitação. Para quem vive de perto a situação infelizmente sabe que estamos perante uma colisão de natureza e princípios. O turista não é condómino, nem AL muito menos é habitação permanente.

O comum funchalense que habita no condomínio e regressa ao final do dia a casa a fim de descansar para trabalhar no dia seguinte não é o turista que está em modo de férias e fica até às tantas a confraternizar em grupo na varanda, a tomar um copo ou dois e a fazer um churrasco ao luar com música de fundo. Para o turista todos os dias são fim-de-semana e este não se lembra que ao lado vive uma família que tenta dormir para ir trabalhar no dia seguinte. Aqueles turistas que acordaram os vizinhos às 04:00 e 05:00 da manhã com a sua chegada e partida, com o arrastar e o demorado desfazer/fazer das malas não têm a menor noção do quanto é lesivo o ruído produzido a horas ingratas.

O madeirense sempre foi hospitaleiro porque até à atual data houve cuidado na seleção de quem entrava na ilha, no entanto o turismo de massas está a cada dia a mudar a nossa realidade quotidiana. A faixa etária de quem nos visita é mais jovem e a conduta não é regra geral a mesma do tradicional turista pacato de meia-idade ao qual estávamos habituados. Infelizmente muitos de nós já se deram de conta desta nova e preocupante realidade. O AL é atrativo para este tipo de turista jovem e aventureiro que vem passar férias à Madeira, como ia anteriormente a Canárias ou às Baleares.

Respeitar a tranquilidade e salubridade do edifício, não perturbar os demais moradores e respeitar os regulamentos internos são deveres de todos os condóminos para que se desfrute do espaço de condomínio em harmonia. Infelizmente na prática nem sempre se respeita a Lei do Ruído e os regulamentos internos do condomínio são desconhecidos ou ignorados porque não interessam para quem está de férias e acha que pode ouvir tecno às 03:00 da manhã ou conversar na varanda com os amigos até às tantas. Muito invariavelmente o nº de turistas autorizado em cada fração é ultrapassado porque a supervisão é difícil...e os meses passam neste vaivém de queixas, de check-ins e check-outs 24 h p/ dia, consoante os horários dos voos low cost. Três ou quatro dias depois mudam os turistas e o frenesim recomeça…a equipa de limpeza a arrastar móveis e a aspirar com ferocidade antes que cheguem os próximos clientes, seja feriado, seja Natal… dez da noite… repete-se o arrastar e desfazer das malas a meio da noite… as crianças choram porque acordaram e os pais já não conseguem voltar pegar no sono… mais uma noite para juntar às noites arruinadas.

Para alguns turistas AL o edifício é o equivalente a um hotel, contudo não é análogo sendo que no hotel estão alojados hóspedes em regime de férias e se algum destes é incomodado pelo vizinho, este só tem de ligar à receção para que esta intervenha e se a situação não for resolvida a bem, a receção convida quem perturba a abandonar o hotel, alegando os regulamentos internos, ficando tudo resolvido. Num condomínio de habitação não existe receção, não há contacto do anfitrião e a única solução é ligar à polícia, a qual, se vier, apenas poderá chamar a atenção para acabar com o ruído, mas depois desta sair, tudo volta ao mesmo e a noite já foi perdida outra vez.

Ao turista foi dada a opção de se instalar no condomínio, porém ao morador não lhe foi dada a opção de decidir se concordava com que o seu condomínio se transformasse em albergaria. Do dia para a noite a sua casa passa a ser “integrada” num espaço de albergue turístico e o condomínio que era fechado passou a ser aberto a todos e a qualquer um 24 horas por dia. O descanso e a segurança do condomínio ficam comprometidos com o livre e constante trânsito destes utentes que entram e saem numa rotatividade permanente. O livre acesso às garagens que era reservado exclusivamente aos moradores passa a ser também livre usufruto dos visitantes. A sujidade e o desgaste das partes comuns acabam por constituir despesas extra que acabam por ser injustamente pagas pelos demais condóminos.

Soluções: 1- Conviver com o AL, calar e renunciar ao direito do descanso e sossego, renunciando à integridade mental e ao direito de qualidade de vida. 2 - Colocar o apartamento à venda e mudar para outro…contando não voltar a viver o mesmo revés noutro edifício também com Al. 3 – Mudar para a periferia e deixar a cidade para os turistas. 4 - Ter fé na salvaguarda da lei na defesa do direito humano ao descanso e modo de vida sadio no seu lar e meio ambiente.

É urgente regulamentar e limitar as licenças do alojamento local. A exemplo disso e com o objetivo de liberar moradias para os habitantes locais, que também enfrentam escassez significativa, a cidade suíça de Lucerna aprovou no início de Março deste ano uma iniciativa que limita o aluguel de temporada em plataformas como o Airbnb a um máximo de 90 dias por ano, sendo esta medida aprovada por pouco mais de 64% dos eleitores. 

Todo o investimento é salutar e dinamizar a economia também o é, desde que esta dinamização não cause incômodo, seja devidamente regrada e não atente contra o dia-a-dia e ambiente de vida sadio dos cidadãos. O investimento de alguns jamais deveria comprometer o direito ao descanso de muitos outros.

“O repouso e o sossego que cada pessoa necessita de desfrutar no seu lar para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia a dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia. O direito ao repouso, ao sossego e ao sono são uma emanação da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, constituindo, por isso, direitos de personalidade e com assento constitucional entre os Direitos e Deveres Fundamentais. A nossa lei fundamental concede uma maior protecção jurídica a estes direitos do que aos direitos de índole económica, social e cultural (…) “ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 13-09-2007

Enviado por Denúncia Anónima.
Terça feira, 18 de Abril de 2023
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